13.8.05

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John Maxwell Coetzee

O cerco

O cerco ao Dr. Serrão aperta-se. Depois da Dra. Rita eis que o Dr. Cardoso também decide tecer nobres e polidas considerações sobre a actual liderança socialista, acusada por ele, entre outras coisas, de andar deslumbrada com as mordomias de Lisboa e com o estatuto de deputado da Nação.
A estes dois somam-se ainda o Sr. Isidoro de Câmara de Lobos, o Eng. Caldeira e mais alguns ilustres desconhecidos de outros concelhos, provavelmente chateados por terem sido trucidados pela máquina partidária, controlada por um senhor da segunda fila da bancada socialista, e não pelo Dr. Serrão, como certamente imaginam.
O caso é então gritante. E evidente. Começa-se a preparar o terreno para uma futura liderança depois da derrota (esperada por todos, inclusive por eles) de Outubro. Será nessa altura que as bases e meia dúzia de reservas morais do partido (aliados aos do costume) virão pedir satisfações que façam rolar cabeças.
O problema é o alvo que se quer atingir. Porque todos andam a virar as baterias contra quem, na realidade, não manda nada. Só isso justifica que o Dr. Serrão passe a vida incólume na capital do decadente império.

Regressando lentamente

Uns partem de férias; outros regressam. Um vai-vém constante sem fim à vista. Este ano o destino prometido é o Brasil. Uma fúria imensa para conhecer o Brasil, as suas praias, as suas gentes. Barato, dizem eles. E barato, dizem as agências de viagem que empacotam seres humanos como se empacotam pipocas. Tudo são “quantias módicas” e “condições excepcionais” e até, pasme-se, "facilidades de pagamento". Aviões cheios, barulho, entusiasmo, excitação. Todos procuram meia dúzia de dias de sonho, longe da vidinha, do stress, do vizinho, da inveja. Querem ser reis e príncipes e donos exclusivos dos dias e das noites. A maior parte quando regressa traz no peito a t-shirt, no pescoço os artefactos e na mala as fotografias. O Brasil é “lindo”, o Brasil é um “espanto”, a “caipirinha original é muito forte”. O mundo pequeno-burguês no seu melhor. Para o ano há mais.

12.8.05

A indústria dos incêndios

O qué que um gajo acrescenta a isto.

«A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.»

José Gomes Ferreira

10.8.05

Sete

Os tempos que vivemos são por isso tempos de menos informação, de informação insuficiente, de desinformação ou de manifesta não informação. Certos dogmas, apenas porque apoiados em imagens, são inquestionáveis e alimentam uma série de incorrecções que depois se tornam verdades. A imagem é hoje tudo; a imagem hoje explica tudo; e é tudo o que importa para a maioria das pessoas, condicionada por esse poder obscuro que as leva a opinar de acordo com aquilo que viram nos impérios mediáticos. Só que a imagem também pode mentir. E por poder mentir, e sem escrúpulos, torna-se inevitavelmente muito perigosa.

Seis

O que a política precisa é de tempo, de amadurecimento, de ponderação e não da pressão da comunicação social apostada nos directos ou no circo mediático. A política precisa também de segredo, de discrição, para ser capaz de escolher os melhores caminhos, longe da pressão e de uma opinião pública muitas vezes incapaz de distinguir o certo do errado. Talvez seja por isto que os parlamentos e as assembleias são os órgãos políticos que mais sofrem com esta imediaticidade da governação, precisamente porque a imediaticidade a que estão sujeitos não tolera a prudência do próprio processo legislativo fora dos assuntos escaldantes que promovam rupturas. São estes órgãos os que mais sentem a pressão para a democracia directa, devido às sondagens permanentes, aos votos electrónicos e às participações digitais. Tudo isto são instrumentos que não são democráticos e que criam nas massas, dominadas pelas emoções e educadas pelas sondagens, a ilusão de participação política em tempo real.

Cinco

Com a imensa panóplia de possibilidades de participação electrónica (através do email, do telefone, de SMS, etc) a política vê-se confrontada também com um constante escrutínio público que lhe quer impor o modo de condução do processo eleitoral e, claro, as próprias acções governativas, ao sabor das populares sondagens e da sua própria exposição. Estamos por isso a assistir a uma transferência de poder do topo da pirâmide para a sua base, consequência da introdução de princípios de democracia directa: por um lado, esvazia-se o conteúdo do político, desresponsabilizando-o de tomar as decisões; por outro lado, coloca-se nas mãos de indivíduos, que reagem por estímulos e com base naquilo que vêem, as decisões que pesam sobre todos nós. O político perde a coragem de decidir contra aquilo que as maiorias pensam, o que resulta na introdução, não das políticas necessárias, mas sim das políticas populares. As consequências são nefastas.

Quatro

Isto prejudica gravemente a política e os políticos. A política é hoje encarada como um espectáculo; como uma transmissão televisiva onde conta mais a aparência do que a essência. Privilegia-se hoje mais a imagem; e prejudica-se o discurso. Prefere-se o político dúbio que se possa moldar de acordo com as necessidades e enquadrar-se em diversos perfis. Ignoram-se os hard issues mas abraçam-se os soft issues. Temos assim, que os novos políticos apostam mais na emoção, na estética e na imagem; e relacionam-se acima de tudo com acontecimentos mediáticos e não com acontecimentos genuínos.

Três

A democracia proliferou numa primeira instância em sociedades com poucos indivíduos. O seu grande mérito residiu na sua capacidade de passar destas pequenas sociedades para as sociedades massificadas, assentes numa socialização de consumo. Mas para que a democracia resista, e sobreviva, as sociedades devem promover uma opinião pública capaz de discernir e de racionalmente discutir a coisa pública, tornando este espaço, um espaço aberto às mais diversas sensibilidades. É então essencial para as democracias que exista uma opinião pública democrática. Mas quando esta opinião pública, baseada em alicerces democráticos, começa a ser substituída por um sistema de reflexos, ou seja, quando esta opinião pública é invadida pela demagogia, a democracia empobrece e paulatinamente vê-se confrontada com o emergir dessa mesma demagogia. Isto acontece quando o homem abdica da sua racionalidade e adopta comportamentos de natureza primária, induzidos pela imagem, por aquilo que ele vê, e que mais não é do que aquilo que os grandes meios de comunicação de massas mostram, porque a primeira fonte de informação para a maioria das pessoas é sempre a televisão.

Dois

Ora se os indivíduos têm menos capacidade de abstracção, isso implica uma menor capacidade de raciocínio e de percepção real daquilo que efectivamente se passa, e que a imagem não mostra, ou que mostrando, não diz.

Um

O presente encontra-se marcado pela possibilidade dos meios de comunicação de massas emitirem informação que atinja, literalmente, todos os sentidos. E nomeadamente a visão que é o sentido que mais consome. Estamos por isso naquilo a que Sartori chamou de "primazia da imagem", em que a palavra é destronada pela imagem originando consequentemente a primazia do visível sobre o inteligível. Entramos assim numa era onde o informar-se vendo implica a utilização da televisão (ou do ambiente multimedia que reúne várias plataformas). Se há esta transformação, é bem provável que estejamos de facto perante novos indivíduos cujo processo de socialização tem forte componente visual, fruto do tempo gasto e disponibilizado com e à frente da televisão.