20.6.09

Mulher tornada Deus

Hoje celebra-se, liturgicamente, o Imaculado Coração da Virgem Maria. Esta celebração proclama que Maria, Mãe de Jesus, não apenas foi "concebida sem pecado" (no dia 8 de Dezembro celebra-se a Imaculada Conceição), como manteve, ao longo de toda a sua vida, o coração puro.
Ora, ao contrário de algumas correntes inconsistentes que defendem a misoginia da Fé Cristã, estas duas celebrações mostram exactamente o contrário: que nenhum humano, sujeito às tentações terrenas, resistiu tão bem ao pecado. É a deificação da mulher Maria, o que não acontece com nenhum homem, pois mesmo Cristo é Deus que se fez Homem, enquanto Maria é Mulher que se fez Deus, pelas suas qualidades. Deu, pois, o passo mais ousado, aquele que mais nenhum teve capacidade para dar.
Parece-me, portanto, errado que se atribua ao Cristianismo defeitos que ele não tem. E por isto, parece-me que hoje seria um bom dia para argumentar contra esse preconceito, que identifica a Fé Cristã com conceitos misóginos.

19.6.09

You picked me!

Mais uma bela descoberta.
É verdade que ando um bocado para o pop. Mas que querem, é da idade!

Doca do Cavacas






A propósito da nostalgia provocada pelas palavras da WOAB, dei comigo a escrever este texto. Ainda estive para não o publicar, mas já que tinha sido escrito aqui no blog...

O dia está quente. Quatro horas da tarde, num qualquer dia de Agosto, com um vento de leste, nunca é hora agradável para se estar ao sol na Madeira. Ainda que se esteja junto ao mar, ainda que mergulhemos de 15 em 15 minutos!
Os corpos, que ainda não abandonaram definitivamente a forma infantil, resistem dificilmente e deles brotam generosas gotas de suor. Corpos exauridos, é certo, mas jovens e tonificados, derretem e a brisa marítima é parca compensação para a tepidez do ar que sufoca. A água, apenas a água salgada do Atlântico pode abrandar a canícula ardente.
Claro que nas piscinas não é possível estar muito tempo sossegado. Frequentemente aparece aquele bando que, em grande berraria, aproveita para se atirar de qualquer penhasco. À primeira vista, parece que apenas querem importunar os veraneantes mais incautos: ora cobrindo-os com a chuva miudinha, de água salgada, que os seus saltos provocam, ora afastando-os das piscinas, como se fossem a guarda pretoriana de um qualquer imperador invisível. São jovens; têm sonhos; querem viver desalmadamente. Perante a explosão de cores do ambiente que os envolve, o maniqueísmo domina o seu mundo: há “nós” e há os “outros”. Aquele promontório, composto por rochas e piscinas, algumas naturais, outras nem por isso; aquela espécie de lido, é o seu domínio e estão dispostos a tudo para o defender. Pelo menos assim parece a um olhar menos atento.
A verdade, é que a sofreguidão com que se atiram para a água mostra que não são os “outros” que incomodam, não é contra os “outros” que mergulham. Não querem este reino apenas para si. É certo que se reconhecem súbditos do Majestoso Penhasco e do Mar Imenso. É verdade que se revêem como a legião de elite daquele local. Mas os mergulhos, a ansiedade com que se atiram para a água revelam uma realidade mais egoísta. Seguem em bando, mas o prazer é individual. Estão integrados, têm um, dois, três grupos, mas na hora de mergulhar, a água proporciona um deleite pessoal. São fugas para a água, para pequenos momentos íntimos de liberdade.
O mar aparenta ser o melhor amigo. Entram nele como quem mergulha no ventre materno. Com alegria, com sofreguidão. E como adoram mergulhar! Nenhum local é demasiado alto, nenhuma rocha é demasiado afastada da água. Saltam de qualquer ponto. Como se nada mais existisse. Parecem aves, quando, empoleirados sobre as rochas, levantam os braços e saltam para a frente, em ligeiros mas consistentes movimentos dorsais que lhes permite mergulhar de cabeça. Pernas esticadas, braços abertos, que se inclinam apenas na hora de abraçar os domínios de Neptuno.
O universo é deles e é bonito: o azul-esverdeado das piscinas, que contrasta com o azulão imenso do mar. Deixam-se beijar pela água, ora num, ora noutro mundo que é, no fundo, apenas um. E não fazem distinções, no que ao prazer toca. Tanto lhes serve!

Há, também, os outros dias. Quando todos os restantes veraneantes fogem da levadia que inunda as piscinas, eles correm ao seu encontro. As ondas estão fortes? Ameaçam levar todos aqueles que ousam entrar na água? O branco da espuma impõe-se sobre o azul do mar? A rebentação contra as rochas ameaça os frágeis corpos? Existe a certeza de que alguns litros de água salgada serão engolidos? Óptimo, pois garantem o prazer de não se atemorizar. E, paradoxalmente, como um bando de loucos, tanto mais riem quanto maior o perigo. Deles e dos outros.
Mas ali, naquele tempo, não há quem os ouse desafiar. Ninguém se intromete no meio. Alguns adultos ainda vociferam contra a inconsciência destes jovens. Ao longe, protegidos pela segurança. Mas que ninguém ouse pensar em ajudar algum deles, que pareça mais aflito. No meio daquelas ondas, apenas eles são capazes de se ajudarem mutuamente. “Nem pense nisso”, alertam os que os conhecem, se algum herói ousado pretender mergulhar ao seu lado. “É garantido que eles terão de o ajudar e para problemas, já lhes bastam as ondas com que ainda terão de se bater”.

Era assim as Poças do Gomes, há uns anos. Os únicos avisos viravam-se na direcção dos “outros”, daqueles que não passavam ali o Verão e o Inverno.
O tempo entretanto passou: os corpos envelheceram, ganharam peso, perderam a cor. Mas continuo convencido de que nas tardes de levadia, apenas o velho bando é capaz de se manter à tona. Mantém-se a garantia de que aquela guarda pretoriana será a única a ousar desafiar o mar, naquele que se mantém como o seu mundo. Apenas estas coortes continuam a ser merecedoras da confiança do Imperador e resistem à sua fúria!
Por isso atenção, meninos e meninas de calções alaranjados. É certo que são os vossos corpos que estão tonificados. Talvez a vossa forma física vos garanta alguma segurança, nas provas a que são submetidos. Conseguem nadar mais longe; sustêm mais tempo a respiração. Mas ali, naqueles redemoinhos, quem manda ainda somos “nós”. E já estamos velhos para nos batermos contra as ondas, em defesa dos vossos belos corpos!

É sempre com este misto de nostalgia do passado e o confronto com a realidade que volto à Doca do Cavacas. Porque pertenço a esse velho bando de pássaros…

Um anjo, este novo-velho Sócrates: só apetece dar beijinhos...

Povo mau, que não percebe a bondade das políticas do líder...
Mau, mau, mau!

O ar compungido, a auréola a flutuar e dir-se-ia um santo!

Agora a sério: depois daquela patética entrevista (ó Fernanda, canse-o!), será que ele ainda espera ser levado a sério por alguém?

Conversa entre amigos

- É pá, o gajo até é porreiro. É pena ser um socialistazinho...
- Tu também...! Ser socialista não é defeito.
- Olha que nos tempos que correm, acho que poucos serão os defeitos piores...

15.6.09

Sobre o regime da autonomia das escolas

Com o pomposo título de Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário, saiu, em 22 de Abril de 2008, o Decreto-Lei 75/2008. Este documento alterava o paradigma da gestão das escolas, substituindo os órgãos de gestão pela figura do Director e a Assembleia de Escola pelos Conselhos Gerais, que passam a ser órgãos máximos da escola, cabendo mesmo a eleição do Director (os anteriores órgãos de gestão eram eleitos pelos seus pares). Sinceramente, acho que este documento enferma mais de defeitos do que de qualidades. Antes de mais, porque não promove nem mais autonomia, nem mais descentralização de competências para as escolas (não mais, pelo menos, do que a perspectivada pelo Decreto-Lei 115-A), conforme se anuncia. Depois, porque esta legislação também não faz emergir lideranças mais fortes. Mas mais: é um processo pouco democrático, permeável aos caciques partidários locais, que possibilita uma verdadeira partidarização das escolas. Vá lá que o Ministério da Educação ainda fez prevalecer a obrigação dos Directores terem de ser professores, porque não era isso que o Ministério de Teixeira dos Santos (e o próprio) defendia. De acordo com o Ministério das Finanças, os directores deveriam ser gestores (como se as escolas fossem meras empresas)…
Existem, contudo, algumas potencialidades interessantes. A primeira é possibilitar a independência dos directores relativamente ao corpo docente das escolas/agrupamentos. Sabemos que a classe é corporativa e que os órgãos de gestão, muitas vezes concordando com algumas alterações, não estavam disponíveis para ousar enfrentar a ira dos pares, quando confrontados com sugestões de mudanças. Uma vez que a sua nomeação deixa de estar dependente do corpo docente (retirando, em contrapartida, alguma democraticidade ao processo), liberta o director para a tomada de decisões que possam ir contra os interesses mesquinhos corporativos que, por vezes, minam as escolas (não queiram os lacaios socialistas verem aqui a defesa deste miserável Ministério da Educação. Porque no geral, reconheço razões de queixa aos professores e acho que este Ministério age não só de má-fé, mas é essencialmente gerido com muita incompetência). Mas, como que a querer exemplificar o que acabo de dizer entre parêntesis, aquela que poderia ser a maior potencialidade é logo limitada pela própria legislação, uma vez que impossibilita que o Presidente do Conselho Geral possa ser um elemento externo às escolas. Explico melhor. Fazem parte do Conselho Geral: representantes dos docentes, representantes de não docentes, representantes de alunos; representantes das autarquias, representantes de pais e encarregados de educação e entidades que podem ser cooptadas (máximo de 4). Como disse anteriormente, é o órgão máximo da escola, cabendo-lhe todas as grandes responsabilidades estratégicas (definição do orçamento, Plano de Actividades, Projecto Educativo, Regulamento Interno), de supervisão e fiscalização (capacidade para demitir o Director, etc.). Pressupõe, naturalmente, que presidente deste órgão tenha disponibilidade de tempo para geri-lo convenientemente. Ora, a exemplo dos liceus e universidades norte-americanas, seria interessante que os presidentes não fossem professores, mas figuras de destaque da sociedade (com mérito reconhecido no campo artístico, cultural, científico, etc.), ou possuidores de competências de liderança e gestão de órgãos colegiais, ou ainda personalidades capazes de atrair prestígio ou (porque não?) financiamentos para as escolas/agrupamentos. Isto, naturalmente, pressupõe legislação que permitisse a redução de horários a quem exercesse este cargo (a exemplo do que acontece, por exemplo, com as organizações de classe). O Estado deveria prever que, caso uma destas personalidades quisesse exercer o cargo, fossem aliviados da sua carga horária laboral, uma vez que o tempo é gasto em prol da comunidade (há redução de horário para professores que queiram exercer o cargo). Isto parece-me, inclusive, uma questão de bom-senso. Mas a atrapalhação e a incompetência deste Ministério é tão grande que nem aquelas que são as boas ideias sabem rentabilizar.