5.4.07

Os nomes não dizem tudo


Era comum, na Grécia antiga, que os sábios não tivessem qualquer especialização, sendo sabedores de muitas artes, como matemática, filosofia, astronomia, biologia, Música, etc. Aliás, quem ler qualquer biografia de um qualquer filósofo grego, encontrará, sempre a referência deliciosa: Sábio em geral.
Veja-se o exemplo de Sócrates (Σωκράτης, para que não haja confusões): grande formação em literatura e música, especialista em política, filósofo fundador do pensamento ocidental, foi um sábio em geral. Apesar de não se lhe reconhecer qualquer curso, afinal à época não haviam canudos, sabe-se que aprendeu muitas coisas com mestres conhecidos e com outros mais anónimos. As referências elogiosas dos seus seguidores, alguns deles igualmente sábios em geral, são disso desmontrativas. Diz-se que tinha o gosto por rapazinhos, mas que raio, não se pode ser perfeito e a relação amorosa entre mestre e discípulo era comum naqueles tempos.
Comparando com o seu homónimo português, encontramos algumas características algo comuns, para além do nome:
- nenhum deles é detentor do grau académico de licenciatura;
- ambos tiveram incursões na política.
Todavia, neste caso, como em tantos outros, é mais o que os separa do que os une. O primeiro era um orador nato, o segundo sonha em sê-lo; o grego gostava do diálogo, o português foge dele; o filósofo criou o método da maiêutica para desconstruir a ilusão de saber, o PM português vive na ilusão que sabe; um é óptimo a expor ao ridículo os seus adversários, o outro é fabuloso a expor-se a ele próprio; o primeiro conquistou discípulos, o segundo nunca sequer foi discípulo, quanto mais mestre. O grego bebeu sicuta e dignamente recusou fugir ou humilhar-se a clamar perdão, o português virá mentir para a TV inventando cabalas contra si próprio.
Definitivamente, os nomes não dizem tudo acerca de uma pessoa.


PS1: Esta novela na pseudo-licenciatura de José Sócrates só não é de levar às lágrimas, porque é extremamente grave. Porque é uma fraude. E o pior disto tudo, é que de certeza que nada acontecerá à Independente. Porque os favores são para se pagar.

PS2: Como muito bem demonstrou ontem Ricardo Costa, com aquele diz e desdiz, a comunicação social portuguesa não é livre. O medo há muito que está instalado! Afinal, existem muitos telhados de vidro.

PS3: Apesar do exemplo de Jesus, nem sempre é fácil perdoar aqueles “que não sabem o que fazem”. Mas faremos esse sacrifício.

Boa Páscoa a todos os leitores da Conspiração.
Sócrates no leito de morte, Jacques-Louis David, 1787

2.4.07

Não há bela sem senão

Algumas associações que se dedicam à luta pela igualdade entre homens e mulheres, barafustaram contra “a Bela e o mestre”. Dizem os seus membros que o programa passa uma má imagem das mulheres, o que não contribui em nada para a sua emancipação e para a causa que todos os dias encetam em prol da igualdade de género. O argumento vale o que vale, o que deste tipo de associação diz tudo. Mas é óbvio que as senhoras, muito preocupadas, omitem pormenores essenciais decisivos para se compreender semelhante tergiversação.

Em primeiro lugar, ninguém está no programa obrigado; em segundo, o programa é uma perfeita e inocente brincadeira que procura ridicularizar um verdadeiro lugar comum e uma ideia feita sem sentido nenhum; e em terceiro, omite o papel dos rapazinhos, aparentemente cultos, que participam no bailarico.

Querer ser mais papista que o papa tem destes problemas insanáveis. Infelizmente, para alguns, o mundo não gira à volta de certos umbigos nem do quintal de casa. E querer passar a imagem da exploração feminina usando um programa de televisão revela bem a inocuidade de certas mentalidades pouco mais que arcaicas.

Confesso que não tenho a certeza do que é pior: se gente bonita que é burra, se gente feia que se julga inteligente. Ainda assim, estar por estar, prefiro estar com as primeiras. Por razões evidentes.

Um cartaz

Em Lisboa, e talvez aproveitando a maré salazarista que varre o país, uma coisa que atende pelo nome de Partido Nacional Renovador, lançou um cartaz temático de conteúdo difamatório e de gosto estético mais do que duvidoso.

O cartaz no seu todo provocou azia nos democratas que não gostam de ver lixo no pomar nem de ouvir quem pensa diferente. A nossa constituição, dizem eles, proíbe a liberdade de expressão a partidos de ideologia fascista e racista, embora curiosamente, e acrescento eu, não proíba o partido do Dr. Louçã que tem oito deputados e ar de gente séria.

Mas querer proibir que alguns digam o que muitos pensam em voz baixa, é sinónimo de intolerância e de desfaçatez. E de como a nossa democracia é ainda uma criança traumatizada na argumentação e na discussão das ideias.

As ideias, nefastas ou não, em democracia, combatem-se pelo debate, pela anulação ou rebatimento do argumento do adversário, pela demonstração das suas evidentes falhas e incongruências e pelo voto maciço em projectos verdadeiramente democráticos capazes de incluir toda a gente. O combate, como é óbvio, também se faz pelo protesto, pela indignação e por outras formas de manifestação. Mas querer esconder um problema, simplesmente sonegando-o ou jogando-o para debaixo do tapete ou da clandestinidade que não se controla nem se conhece, é demonstrativo da incúria que habita num certo pensamento dito democrata e liberal. Pior: é precisamente esta incúria que ajuda a valorizar um adversário sem expressão que apenas procura, publicamente, publicidade gratuita e um efeito mediático que fica a anos-luz da sua aceitação popular. O senhor do PNR certamente agradeceu tão nobre e sentido gesto. Afinal, nem ele estava à espera que a compra de um simples foguete desse tanto fogo de artifício.

Os anões portugueses

O maior português de sempre para alguns portugueses é António de Oliveira Salazar. A revelação suscitou protestos sortidos e esbracejares divertidos que ajudaram o país a esquecer a tragicomédia que é a sua triste e inultrapassável realidade.

O concurso, convém não esquecer, gerou muita tinta nos jornais, debates televisivos e a própria Assembleia da República parou para discutir a gravidade do assunto. A coisa, como não podia deixar de ser num país que vive do momento e do instantâneo, atravessou todos os quadrantes partidários, servindo para as mais hilariantes interpretações.

Na esquerda, por exemplo, a eleição incomodou os puritanos e deixou-os preocupados com a memória, ou ausência de memória, colectiva de Portugal. Na direita, por seu turno, um riso miudinho deu azo a interpretações de satisfação a que não deve ser alheio o famigerado regresso do Dr. Portas e da sua guarda pretoriana às lides domésticas. Não é à toa que o Xanax começa a ser o melhor amigo dos portugueses.

Mas os que se indignaram com a suposta votação maciça no antigo ditador deveriam estar tão ou mais preocupados com a outra suposta votação maciça no candidato a ditador. A falta de cultura histórica sobre Álvaro Cunhal e sobre o verdadeiro perigo que ele representou, é também ela sinónimo inequívoco das carências de um sistema de ensino totalmente dominado por ideias absurdas e nefastas, onde a maior prioridade é formar, não necessariamente por esta ordem, incultos, incapazes e medíocres.

Compreende-se o horror, o drama e a tragédia, como diria o Albarran. Num país formado de uma briga doméstica, onde os heróis não abundam, os cientistas e os inventores não passam de uma agradável miragem e os políticos são um continuado desastre, pouco ou nada restava aos lusitanos que não fosse uma qualquer escolha entre derivas autoritárias. Nem que fosse para fazer escárnio com o assunto e para quase provocar uma apoplexia à Dra. Odete Santos.

Se me fosse possível dar uma única interpretação possível, eu diria que o Portugal que votou em Salazar representa um passado já sem grande importância e que perante o ruir do sistema optou por um protesto formal contra os políticos do presente (na realidade, na pátria indígena, já pouco espanta e em abono da verdade já poucos recursos restam); e que, num outro prisma, o Portugal que votou em Cunhal, representa uma tentativa de passado que felizmente nunca se realizou e que por vingança ou mau perder não quis levar o abuso para casa.

No fundo, estivemos perante um acto de saudosistas, cada qual à sua maneira. De um lado, os que não esquecem o passado; e do outro, os que se recusam a viver com o presente.