Olhei com alguma atenção para a ficha da próxima edição da Liga Portuguesa de Futebol (dito) Profissional e, devo confessar, fiquei com um amargo de boca. O campeonato está demasiado sério, é constituído por equipas sérias e que se levam a sério. Pior: já rareiam aqueles relvados que mais pareciam "poios" em pousio, que no Inverno transformavam o futebol numa espécie de rugby mal jogado mas imensamente divertido, dando aos Lufembas deste mundo, num exercício de democracia, a oportunidade de brilhar.
Utilizando uma linguagem gastronómica, fiz um esforço de memória e cheguei à conclusão de que o actual futebol-prego-no-prato que nos é servido em nada se compara com a bola-bifana-"mini" dos finais dos anos 80, princípios dos anos 90 do século XX.
Ah, que saudades do Tirsense e do Prof. Neca! Aquilo é que era jogar à bola, com a táctica do 9-0-1 e o Magonga a distribuir "cacete" e palmadinhas nas costas pelos defesas menos precavidos! Belos campeonatos aqueles em que jogava o Gil Vicente num estádio parecido a um acampamento de refugiados somalis, onde um senhor careca insistia em levantar-se no exacto momento em que alguém decidia rematar à baliza, tapando a única câmara que conseguia furar uma barreira de colunas de cimento para mostrar três quartos da grande área. Ah, quantos golos ficaram para sempre perdidos, ocultos pela anónima careca do cavalheiro!
E que dizer dos campeonatos ganhos pelos irmãos Calheiros, essas referências do apito, exímios corredores de 100 metros?
E o magnífico Feirense de 1989-90, orgulhoso último classificado, cuja referência era um médio centro com o nome de guerra "Quitó", que distribuía pancada entre adversários e companheiros de equipa, defendendo o seu raio de acção - o círculo central - com a mesma fúria com que Augusto Santos Silva defende o Eng. Sócrates?
E o União do Prof.Mâncio? Ah, que grande equipa, liderada por aquele estrondoso defesa central a quem alguém decidiu, num dia de nevoeiro, chamar Quinonez! E o Famalicão do Celestino, não será inigualável?
E o que dizer de estrelas como o Reinaldo, ponta-de-lança que brilhou intensamente com a bela camisola do Penafiel, conseguindo a proeza de alinhar em 30 jogos, num campeonato com 20 equipas, marcando 0 golos? Ou como o Basaula, da célebre equipa de "O Elvas", que tão boa conta deu de si na época de 1987/88? Ou como o Balseiro, inesquecível guarda-redes que contribuiu decididamente para a bela época realizada pelo Sporting da Covilhã em 1987/88 sofrendo apenas 70 golos? Será possível ofuscar o brilho intenso de um Lobão, de um Paulinho Santos, de um André, de um Oceano, de um Bobó (Mamadu), de um Cerqueira, de um Gaspar, de um João "cabeçudo" Pinto? Será possível ultrapassar a beleza que o Benfica espalhava pelos campos deste Portugal quando nove dos seus onze jogadores ostentavam vigorosas cabeleiras e fartos bigodes, usando a "unhaca" para ameaçar árbitros e torturar adversários?
É razoável crer que alguém deixe mais marcas em corpos já doridos do que o Couto, o Mozer, o Jorge Costa, o André, o Teixeirinha, o Paulinho Santos, o Vermelhinho, o Lufemba, esses verdadeiros cereal killers (em alentejano)? Quando comparados, o Rolando, o Luisão, o Tonel, ou o Sereno não passam de um encantador grupo de mosquitos de Santa Luzia a cantar em coro o "Besa me mucho" face a uma horda que configurava uma verdadeira praga bíblica!
Ah, que saudades das entrevistas do Barroso ao Domingo Desportivo, das piadas do Pinto da Costa, do guarda Abel, essa figura mítica dos "ervados" lusos...
Ah que saudades da cultura táctica de um Jaime Pacheco, da sapiência de um Artur Jorge, da criatividade de um Manuel de Oliveira, da capacidade de inovar de um Prof. Neca, da leveza de um Mário Wilson! Ah, que saudades do bom e velho Campeonato Nacional da I Divisão, quando não havia liga, nem patrocínios, nem equipamentos alternativos cor-de-rosa, quando não era necessário comprar frangos em Espanha por 8 milhões e meio de euros e a fruta crescia abundantemente onde faltava a relva e o jeito! Ah, que saudades!
O futebol, hoje, é pra meninas!
"Reúne sete ou oito sábios e tornar-se-ão outros tantos tolos, pois incapazes de chegar a acordo entre eles, discutem as coisas em vez de as fazerem" - António da Venafro