Como diz um dos meus amigos, o barbeiro da minha rua não existe... Não tem sofás de napa vermelha nem cadeiras forradas a verde. O encosto da cabeça não é uma imitação de pele estalada, castanha, a lembrar o antigo e na mesinha de entreter não há revistas côr-de-rosa, a revista de televisão mais recente não é uma TvGuia, os jornais são recentes, ou como se diz em Moçambique, “ainda trabalham”, e nenhum dos títulos começa com um artigo definido.
No barbeiro da minha rua não há esplanada mas serve-se café. Não se fuma no interior, mas há cinzeiros à porta para que quem gosta de fumar enquanto espera, possa continuar a poder ser civilizado (por estranho que possa parecer não é impossível). Há um rádio que toca tão baixo que se consegue ouvir as músicas e, ao mesmo tempo, tão alto que se mistura com as conversas sem as abafar, adoça-as como se fosse uma banda sonora... E fala-se de livros... Daqueles livros que já foram lidos há muitos anos ou que acabamos de conhecer, na noite passada, daquele que acabou de sair ou daquele outro que foi reeditado com novo prefácio e capa revestida a couro, daqueles que se gostava de ler um dia, ou que gostaríamos de ler se tivéssemos mais tempo, ou se fossemos mais novos... Fala-se de livros como noutros barbeiros se fala de mulheres, com o mesmo tipo de desejo, com o mesmo carinho, com a mesma pena de não ter tempo ou coragem para conhecer tudo, todos ou todas... No barbeiro da minha rua dizem-se poemas como quem conta anedotas no da rua do lado, o tempo passa depressa enquanto se aguarda a vez e não é preciso ter barba para cortar o cabelo nem cabelo para cortar a barba.
Como diz um dos meus amigos, o barbeiro da minha rua não existe... Mas apenas porque, na minha rua, ainda não há barbeiro. Porque se houvesse, seria assim, ou eu, sempre esperançoso, mudaria novamente de rua...