Ou muito me engano, ou a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo não será o passeio pela praia que muitos parecem estar convencidos.
Antes de mais, porque nem o acesso ao casamento parece ser um direito ou, sequer, um dever (logo extensível a todos os indivíduos, conforme o princípio constitucional da Igualdade, a que muitos defensores da alteração ao casamento recorrem), nem parece haver consenso relativamente à matriz constitucional do casamento. Aliás, sobre isto, basta
ver o que pensam constitucionalistas como Jorge Miranda, Bacelar Gouveia, ou Paulo Otero, um dos mais prestigiados professores portugueses de Direito. Recorde-se que Jorge Miranda entende que "a
Constituição define o casamento como uma união heterossexual, pois um dos pressupostos do casamento é a filiação”. Ora, não me parece que possa haver filiação numa relação entre pessoas do mesmo sexo.
Já Paulo Otero defende que "os direitos fundamentais devem ser interpretados de acordo com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que consagra o casamento entre pessoas de sexo diferente". Repito: Declaração Universal do Direitos do Homem (esse
documento retrógado, fascista, elaborado por conservadores de direita).
Posto isto, e perante a certeza deste especialista de que "O diploma será sempre inconstitucional", pergunto-me se a coisa será assim tão pacífica, ao nível constitucional.
Por outro lado, se a própria matriz constitucional é questionável, será possível ou legítimo depurar o casamento da sua verdadeira matriz ética e cultural, que se inscreve na tradição judaico-cristã?
Mas mais, relativamente à filiação e ao direito à adopção, a pergunta que me faço é se com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo sem acesso à adopção não estaremos a ferir o documento de inconstitucionalidade, à luz do mesmo princípio de Igualdade?
E se assim for, ou seja, se admitirmos que os casamentos entre pessoas do mesmo sexo só serão efectivamente depurados de discriminação se permitir o acesso a todas as consequências (logo, levar à adopção), não estaremos nós a admitir que, afinal, os opositores tinham razão quando afirmam que a questão da filiação é uma característica do casamento, só possível entre pessoas de sexo diferente?
Mas tenho ainda muitas outras dúvidas. Por exemplo, com esta alteração, como passaremos a definir o casamento? É um mero contrato entre duas pessoas? Então poderá ser feito, mesmo que não haja sexualidade pelo meio. Certo? Dois amigos heterossexuais, para obterem benefícios fiscais, poderão casar? E porquê limitar a apenas duas pessoas? Em nome de quê? De uma tradição, de uma cultura? Não estaremos nós a discriminar outras minorias, como a muçulmana? Como definir, então, como estabelecer os limites do casamento?
Para além disto, estou em crer que muitos dos que se batem por esta causa não querem apenas defender o acesso, aos homossexuais, aos direitos a que o casamento dá acesso. Se assim fosse, não me parece que causasse tanta celeuma a realização de um outro tipo de contrato civil. Existem muitos movimentos da esquerda radical que pretendem apenas a hostilização, por questões ideológicas. Porque entendem que esta é a forma de se oporem a valores absolutos que poderão haver do outro lado. E com isto não posso compactuar nem tolero!
No fundo, o que acho é que, fruto de uma certa superficialidade conceptual e ética; de uma relatividade moral; de uma ânsia desmedida de
revolucionar e acabar com tudo o que é passado; de um
furacão que ser fazer-se passar por progressista, como se toda a tradição fosse negativa, está-se a abrir uma caixa de Pandora. Ontem foi o aborto, hoje é o casamento, amanhã é a adopção, tudo sem grande reflexão, tudo de uma forma repentista, arbitrária e irresponsável. Depois, o que virá?
Mas será isto tudo tão dramático, como parece que eu quero pintar? Não! Preocupa-me é esta relativização dos valores contemporânea que deixamos que se instalasse entre nós. E os maiores horrores aconteceram sempre que eticamente fomos absolutistas ou laxistas.