10.2.07

O mal dos outros

Um dia destes dei boleia a dois jovens.
Disseram que o destino era o Entreposto da Cancela.
Eu não lhes perguntei nada, mas fizeram questão Justificar a viagem: – vou receber umas “massas” que o patrão me deve!

Não sei porque é que os toxicodependentes insistem, em não assumir a verdade.
É óbvio que o objectivo era comprar produto.

Ainda falamos do jogo, Portugal – Brasil, do tempo, da vida que estava difícil para eles, mas que eu estava bem…. Às tantas, o que ia no banco da frente adiantou mais qualquer coisa. Isto depois do intenso cheiro a cigarro já ter poluído o ar do habitáculo do carro. Ainda tentei olhar de esguelha, para ver se o que estava sentado ao meu lado tinha o braço picado. Foi quando disse que o destino era a Camacha (Bairro da Nogueira). A Justificação foi que tinha que chegar cedo, caso contrário, já não apanhava o patrão. Ainda olhei para o relógio para confirmar a hora. Já passavam 35 minutos do meio-dia.

Deixei-os no local que pediram, com a certeza de que os toxicodependentes são os únicos que não querem enxergar o mal.

9.2.07

Porque é fim de semana


Le Bonheur de Vivre
Henri Matisse

Um grande equívoco

Para Sócrates, a escolha entre o sim e o não resume-se a optar pela "modernidade" - curioso conceito - ou pelo conservadorismo. Esta espécie de desafio aos eleitores demonstra mais uma vez que todo o pensamento e que toda a "práxis" política de Sócrates se alicerçam em básicos "lugares comuns". Sócrates é aliás, todo ele, um enorme equivoco transformado em "lugar comum".

8.2.07

O Regresso d`Oliveira

Manoel de Oliveira anunciou que vai filmar no Porto Santo a vida de Colombo. Espero que o mestre não cometa o mesmo erro do navegador. Apontou um destino, desembarcou noutro.

Foi necessário 20 anos de férias na ilha dourada, para o mais proclamado cineasta da pátria fazer um filme no local de repouso.(todos os anos Oliveira faz 15 dias de férias no Porto Santo). É caso para afirmar que, uma vez mais, Manoel de Oliveira tem um ritmo próprio. Demasiado pessoal para a maioria dos telespectadores. Detestam os filmes do autor. Apesar disso, Oliveira continua a fazer sucesso lá fora. Sobretudo, junto crítica francófona.
Eu falo com à vontade. Já “gamei” Oliveira.( http://www.citi.pt/cultura/cinema/manoel_de_oliveira/index.html ) Até de mais. Tanto, que hoje sou um detractor do mestre. Se há 10 anos atrás era uma agradável descoberta, hoje é uma chata revisitação ver um filme do portuense.

Na altura valeu o esforço. Por causa do trabalho consegui despertar o interesse de uma lindíssima colega da faculdade. Julgo que se não fosse Oliveira, nunca teria namorado com ela.

A semana passada também chegou às nossas salas o último trabalho de Clint Eastwood. O realizador. O actor há muito que se retirou.
O filme dá pelo nome de “” – As Bandeiras dos Nossos Pais.
Vi e não fiquei deslumbrado. Gostei de algumas coisas. De outras não.
Achei-o demasiado longo. Demasiado primário na forma como foram executados os regressos ao passado. Insuportável nalgumas cenas. Ao contrário de um amigo, não senti na película o sofrimento daqueles soldados. Os ditos heróis. Também não deixa de ser irónico que Eastwood se tenha aliado a Steven Spielberg para fazer este filme. Sobretudo porque “O Resgate do Soldado Ryan” é uma obra quase perfeita.

Já sabíamos que Eastwood é exímio na realização. “Flags of Our Fathers” tem momentos muito bons. Em especial, os de combate. São autênticos cenários de guerra. Por instantes esqueci-me que estava a ver um filme. Pensava que estava confortavelmente sentado, a assistir à batalha. Quando assim é, as palavras são sempre poucas. Noutros aspectos o filme pecou. Não gostei da entrada nem do recurso constante ao presente. Por causa disso perdeu-se um excelente filme, ganhou-se um bom bocado de cinema.

6.2.07

Pequenas notas soltas.

1. Deplorável esta estratégia assumida por José Sócrates (não sei se enquanto PM, ou como Secretário do PS) de intimidação, relativamente ao referendo sobre o aborto. “Ou votam como eu quero, ou não mexo uma palha” é o que parece dizer o nobre líder nas intervenções de campanha. Mas é demonstrativo do espírito democrático do nosso Governo e muito especialmente do seu líder que confirma assim o seu despotismo.

2. Sobre o indulto a um foragido da Justiça; sobre as afirmações miseráveis do Manuel Pinho na China; do Presidente da República, nem uma palavra. Num país decente, seria motivo para o Primeiro-Ministro ser chamado à pedra e demitir o seu Ministro. Mas não em Portugal, somos um país de brandos costumes... O País implode devagarinho, e Cavaco Silva continua agarrado à sua estratégia de cooperação e condecora loucos como o anterior Procurador-Geral da República. Elucidativo!

3. Menti! Afinal assisti a mais um debate sobre a liberalização do aborto. Foi ontem, no programa Prós e Contras. Sinceramente, gostei. Houve alguma elevação por parte dos intervenientes técnicos, isto é, por parte dos juristas e dos médicos. Curiosamente (ou não) as brejeirices, as futilidades, as ofensas gratuitas, praticamente foram inexistentes e integralmente assumidas pelos poucos políticos presentes. Começo a achar que o mal de Portugal é efectivamente a classe política.

4. Acho piada ao Francisco Louçã: primeiro adjectiva-me de hipócrita por defender o Não, depois diz que os portugueses entendem a necessidade de mudança da lei. Fiquei perplexo e (pior) com uma dúvida: serei português ou hipócrita? Será que ele falou também para mim, ou pura e simplesmente já assume que eu sou carta fora do baralho? Este homem ainda criar-me um problema existencial, fazendo com que eu tenha que procurar ajuda especializada de psicólogos. E só por isso (e porque não tenho dinheiro) jamais receberá o meu voto.

5. O que é que se passa com a classe política portuguesa? Será que agora é moda fazer visitas de Estado aos países asiáticos? Primeiro o Cavaco foi à Índia, depois vai o Sócrates à China (não é uma delícia denominar a viagem de visita de Estado?), agora o Amado vai para o Japão e Jaime Magalhães (Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna) para Timor-Leste. Para além do evidente desperdício, haverá algum motivo para estas visitas? Será uma tendência pan-lusitânica (perdoem o neologismo), ou uma nova versão expansionista? Fica a dúvida.

Herberto Hélder


Herberto Hélder foi indicado hoje pelo Penn Club Português como candidato ao Nobel da Literaura. Isso tem a importância que tem ou que se lhe quiser dar, mas a verdade é que a possibilidade de um autor de lígua portuguesa ganhar o dito prémio nos próximos mil anos é absolutamente remota. De qualquer maneira, fiquei contente que se tenham lembrado de Herberto Hélder, para mim o melhor poeta português da segunda metade do século XX. Um madeirense absolutamente ignorado por cá (para bem dos seus pecados, diga-se de passagem!).

Já agora, o outro escritor que o Penn Club indicou foi o também poeta António Ramos Rosa. Merecidamente, digo eu...

Os animais carnívoros

Os Animais Carnívoros

Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, descobria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia oque fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina eurgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.

Herberto Hélder

Se houvesse degraus na Terra...

Se houvesse degraus na terra...

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Herberto Hélder

Poema de um funcionário cansado

Poema de um Funcionário Cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.

António Ramos Rosa

António Ramos Rosa

Para uma amigo tenho sempre um relógio esquecido em qualquer fundo da algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra,
quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa