Diga-se com clareza: a declaração de Presidente da República sobre a proposta de revisão do Estatuto Politico-administrativo do Açores mais não revela do que um sentir anti-autonómico primário e profundamente centralista de que Cavaco Silva padece desde sempre.
Quanto às normas inconstitucionais, estamos conversados: têm que ser revistas ou então terá a Constituição que ser alvo de uma revisão.
No que toca às outras normas, aquelas a que Cavaco mostrou "sérias reservas", visto não violarem a lei fundamental, parece-me que tomada de posição do Presidente foi despropositada. Uma vez que são normas políticas, a opinião do presidente não passa disso mesmo: de uma opinião, uma vez que a Assembleia da República tem toda a legitimidade para as propor.
Mas reconhecendo-lhe o direito de fazer uma comunicação ao país sobre o que bem lhe apetecer, o que o Presidente disse tem consequências profundamente graves:
1. tendo o Estatuto sido aprovado por unanimidade, Cavaco Silva mostrou um desrespeito enorme pela Assembleia da República enquanto órgão de soberania, uma vez que levanta suspeitas sobre a sua legitimidade para propor um aprofundamento da autonomia dos Açores dentro do quadro legal.
2. Cavaco contribuiu para a emergência do fantasma independentista, visto a gravidade com que fez a sua comunicação ter provocado na população portuguesa continental uma desconfiança sobre o modelo de autonomia progressiva e, em última análise, sobre as próprias autonomias.
Se a primeira consequência pode ser minimizada caso os partidos políticos com assento parlamentar não empolem a questão, a segunda terá repercussões bem mais graves pois desperta o sentimento anti-autonómico, baseado no desconhecimento e ignorância do que a população portuguesa continental sofre relativamente às autonomias. Apesar dos discursos, a verdade é que falando com o português continental mediano (e mesmo com aqueles melhor informados) apercebemo-nos de que a autonomia conquistada pelos povos ilhéus não é bem aceite. Aliás, basta vermos as reacções favoráveis que provocaram e de onde vieram. E se passados 30 anos já ninguém levava a sério as ameaças de separatismo, quer vindas das regiões autónomas, quer vindas de outros centros de poder, a verdade é aquela declaração reacendeu a suspeição, que nada beneficia a unidade nacional, podendo mesmo constituir-se como um motivo de cisma entre a população continental e os povos ilhéus.
Assim sendo, o Presidente da República, atendendo mais às suas crenças pessoais - anti-autonómicas e ainda mais antagónicas relativamente ao conceito de autonomia progressiva instituído na última revisão constitucional - do que ao interesse da Nação, prestou, uma vez mais, um péssimo serviço ao país.
PS - Veremos se o Presidente estará tão atento e manterá "sérias reservas" a alterações de paradigma político propostas por futuras leis da República.
"Reúne sete ou oito sábios e tornar-se-ão outros tantos tolos, pois incapazes de chegar a acordo entre eles, discutem as coisas em vez de as fazerem" - António da Venafro
8.8.08
6.8.08
Razões pelas quais me orgulho de ser conservador
Um carro atropelou o burro, coitadinho. E dono daquela coisa lá disse:
- A estima que o dono tinha pelo burro eu não posso pagar, mas quanto ao resto...
E enquanto o burro não podia andar, todos os dias vinha um carro da praça para levar os que da quinta queriam ir à cidade.
Esta história é verdadeira, passou-se no Alentejo há 70 anos e foi-me contada hoje por alguém que a viveu, enquanto partilhávamos uma belíssima açorda de marisco, bem regada com um branco da Vidigueira (de onde mais?).
Na época, eram raríssimos os automóveis, quase nenhum dos condutores possuia carta e de certeza não haviam seguros. Havia, contudo, a palavra dada...
- A estima que o dono tinha pelo burro eu não posso pagar, mas quanto ao resto...
E enquanto o burro não podia andar, todos os dias vinha um carro da praça para levar os que da quinta queriam ir à cidade.
Esta história é verdadeira, passou-se no Alentejo há 70 anos e foi-me contada hoje por alguém que a viveu, enquanto partilhávamos uma belíssima açorda de marisco, bem regada com um branco da Vidigueira (de onde mais?).
Na época, eram raríssimos os automóveis, quase nenhum dos condutores possuia carta e de certeza não haviam seguros. Havia, contudo, a palavra dada...
A Ilha de Arguim, ou uma lenda (presságio?) sobre o Rei "garboso" da Ilha das Laranjeiras
"(...) Tinham colhido apenas algumas braçadas de feno à mistura com ramos de faia e outros arbustos, quando um deles endireitando as costas, para respirar mais profundamente, por acaso alongou os olhos para a Ponta de S. Lourenço e para o chamadao «Mar da Travessa», que nesse dia estava calmo e derregado, como se um bergantim tivesse andado por ali a passear, deixando nas ondas mansas os listrados vestígios da sua passagem.
Então, os olhos do camponês viram um espectáculo inaudito, assombroso, surpreendente...
O mar do norte da Madeira separava-se perfeitamente do mar do sul e no intervalo, entre um e outro, o homem julgou ver surgir diante dos seus olhos atónitos uma terra encantadora, que não poderia ser senão a tão falada Ilha Encoberta.
As cumeadas dos seus montes pareceram-lhe envolvidas numa transparente neblina, como se fora um lindo véu de noiva.
Fixou e assestou melhor a vista e no centro da suposta Ilha entreviu um regato, marginado de salgueiros, como cabeças desgrenhadas sobre as águas, e depois muitas laranjeiras, além de outras árvores mui amenas e agradáveis.
Ao longo dessa ribeira viam-se muitas lavadeiras e muitas roupas a corar ao sol, nas ervas e arbustos marginais.
Numa vasta campina o nosso camponês julgou ver todo um exército em manobras militares, dirigidas e orientadas por um Rei mui aprumado e garboso."
Alfredo Vieira de Freitas, Era uma vez... Na Madeira!
3.8.08
A propósito de jantares, livros e promessas
No seguimento deste post (que se seguiu à conversa), fiz a promessa de escrever, eu próprio, um texto sobre as minhas preferências literárias e sobre obras/autores de que não consigo ler. Porque nunca me é fácil escrever sobre literatura, andava a ver se adiava a missão, mas a WOAB, qual cobradora de promessas (vestida de fraque ou de coelhinha?!) veio exigir que não esquecesse a palavra dada. Assim sendo, aqui vai.
Já tentei ler, por diversas vezes, o "Levantado do chão" e o "Ensaio sobre a cegueira", mas definitivamente não consigo ler Saramago. A sua escrita irrita-me e apesar dos tais conceitos "geniais" que podem abundar nas suas obras, a verdade é que não desperta o meu sentido estético, maçando-me.
Do Sousa Tavares, li apenas "O segredo do rio", para além das crónicas no Expresso. Como quase toda literatura infantil, é imbecil e imbecilizante (garanto-vos que não cometerei a atrocidade de dar a um filho meu livrinhos com títulos como "Chapeuzinho vermelho" ou "'Pinok e Baleote" - ambos aconselhados pelo Plano Nacional de Leitura, o que diz bem do grau de exigência desta "bandeira" de Sócrates).
Há pouco tempo, passei os olhos, à socapa, pelo "Rio das Flores", visto que a minha namorada estava a lê-lo por sugestão de uma amiga. Pois que me pareceu pretensioso e sem um pingo de talento, versão, aliás, confirmada por ela, cuja opinião me merece todo o crédito. Assim sendo, e porque tenho tanto para ler, não perderei tempo a fazer esse esforço.
Fora da ficção, também tenho um autor que não consigo ler (áh pois é, WOAB!): Jacques Derrida. O homem é absolutamente ilegível (irónico que apenas se consiga ler as suas margens, que é como quem diz alguns dos seus especialistas). Se alguma vez vos aconselharem a ler Derrida, saquem da bengala a façam-n@ sofrer pela ousadia!
Passemos, então aos autores e aos livros preferidos.
Como apaixonado pelo existencialismo, fascinam-me os personagens de Albert Camus e de Fiódor Dostoiévski. Entre as bibliografias de ambos não é fácil optar por um livro mas, a ter de ser, a opção passaria por "O estrangeiro" de Camus e "Os irmãos Karamazov" e "Os Demónios" (na maior parte das traduções é apresentado como "Os Possessos" mas, na minha opinião, o primeiro título é mais adequado) de Dostoiévski. Ambos brindam-nos com personagens condenadas a viver o absurdo, com a particularidade de, pelo menos, terem disso noção. São personagens que vivem em constante (des)equilíbrio, consecutivamente esbofeteadas por essa lassidão tingida de espanto (nas palavras de Camus) ainda que condenadas, como Sísifo, a carregar a pedra montanha fora, para depois a deixar rolar.
"Se numa noite de inverno um viajante...", de Ítalo Calvino, é absolutamente delicioso. Como ele explica, é pura lógica aplicada à literatura do mais alto nível e a prova de que para escrever um romance não é necessário ter uma história. Basta ter o início de muitas.
"Baudolino", de Humberto Eco, também é um livro de referência. Uma viagem pela época medieval guiados pelo maior mentiroso da história, muito parecido com o abade da sopa de pedra.
"A sombra de Foucault", da Patricia Duncker é, igualmente, um dos meus livros preferidos, em pé de igualdade com "De Amor e de Sombra", de Isabel Allende. Duas histórias de amor passadas em realidades muito bem definidas, que interligam maravilhosamente os contextos que as autoras pretendem descrever com as histórias pessoais das personagens.
Mais recentemente descobri Philip Roth, do qual sou um fã incondicional. Se "O complexo de Portnoy" é divertidíssimo e "Todo-o-Mundo" e "Património" são autobiografias enternecedoras (o segundo, assumidamente), "Casei com um Comunista" e "Conspiração contra a América" figuram entre os meus livros de culto.
Da literatura portuguesa poderia escolher inúmeros exemplares. Opto por "Um deus passeando pela brisa da tarde" de Mário de Carvalho. Um romance histórico rigoroso e magistralmente escrito, que relata as perseguições sofridas pelos cristãos de Roma e a consciência de um homem público.
Porque todos nós temos esqueletos guardados, assumo que sou um leitor assíduo de José Rodrigues dos Santos. Reconheço que lhe falta o veludo dos escritores (aqueles a quem se pode chamar assim), não conseguindo descrever uma única cena com talento. Vale, contudo, pela correcção da escrita e sobretudo pela pertinência dos temas que aborda e o rigor com que se reveste as suas investigações. Um bom jornalista que escreve como tal, mesmo quando tenta escrevinhar um romance.
Já tentei ler, por diversas vezes, o "Levantado do chão" e o "Ensaio sobre a cegueira", mas definitivamente não consigo ler Saramago. A sua escrita irrita-me e apesar dos tais conceitos "geniais" que podem abundar nas suas obras, a verdade é que não desperta o meu sentido estético, maçando-me.
Do Sousa Tavares, li apenas "O segredo do rio", para além das crónicas no Expresso. Como quase toda literatura infantil, é imbecil e imbecilizante (garanto-vos que não cometerei a atrocidade de dar a um filho meu livrinhos com títulos como "Chapeuzinho vermelho" ou "'Pinok e Baleote" - ambos aconselhados pelo Plano Nacional de Leitura, o que diz bem do grau de exigência desta "bandeira" de Sócrates).
Há pouco tempo, passei os olhos, à socapa, pelo "Rio das Flores", visto que a minha namorada estava a lê-lo por sugestão de uma amiga. Pois que me pareceu pretensioso e sem um pingo de talento, versão, aliás, confirmada por ela, cuja opinião me merece todo o crédito. Assim sendo, e porque tenho tanto para ler, não perderei tempo a fazer esse esforço.
Fora da ficção, também tenho um autor que não consigo ler (áh pois é, WOAB!): Jacques Derrida. O homem é absolutamente ilegível (irónico que apenas se consiga ler as suas margens, que é como quem diz alguns dos seus especialistas). Se alguma vez vos aconselharem a ler Derrida, saquem da bengala a façam-n@ sofrer pela ousadia!
Passemos, então aos autores e aos livros preferidos.
Como apaixonado pelo existencialismo, fascinam-me os personagens de Albert Camus e de Fiódor Dostoiévski. Entre as bibliografias de ambos não é fácil optar por um livro mas, a ter de ser, a opção passaria por "O estrangeiro" de Camus e "Os irmãos Karamazov" e "Os Demónios" (na maior parte das traduções é apresentado como "Os Possessos" mas, na minha opinião, o primeiro título é mais adequado) de Dostoiévski. Ambos brindam-nos com personagens condenadas a viver o absurdo, com a particularidade de, pelo menos, terem disso noção. São personagens que vivem em constante (des)equilíbrio, consecutivamente esbofeteadas por essa lassidão tingida de espanto (nas palavras de Camus) ainda que condenadas, como Sísifo, a carregar a pedra montanha fora, para depois a deixar rolar.
"Se numa noite de inverno um viajante...", de Ítalo Calvino, é absolutamente delicioso. Como ele explica, é pura lógica aplicada à literatura do mais alto nível e a prova de que para escrever um romance não é necessário ter uma história. Basta ter o início de muitas.
"Baudolino", de Humberto Eco, também é um livro de referência. Uma viagem pela época medieval guiados pelo maior mentiroso da história, muito parecido com o abade da sopa de pedra.
"A sombra de Foucault", da Patricia Duncker é, igualmente, um dos meus livros preferidos, em pé de igualdade com "De Amor e de Sombra", de Isabel Allende. Duas histórias de amor passadas em realidades muito bem definidas, que interligam maravilhosamente os contextos que as autoras pretendem descrever com as histórias pessoais das personagens.
Mais recentemente descobri Philip Roth, do qual sou um fã incondicional. Se "O complexo de Portnoy" é divertidíssimo e "Todo-o-Mundo" e "Património" são autobiografias enternecedoras (o segundo, assumidamente), "Casei com um Comunista" e "Conspiração contra a América" figuram entre os meus livros de culto.
Da literatura portuguesa poderia escolher inúmeros exemplares. Opto por "Um deus passeando pela brisa da tarde" de Mário de Carvalho. Um romance histórico rigoroso e magistralmente escrito, que relata as perseguições sofridas pelos cristãos de Roma e a consciência de um homem público.
Porque todos nós temos esqueletos guardados, assumo que sou um leitor assíduo de José Rodrigues dos Santos. Reconheço que lhe falta o veludo dos escritores (aqueles a quem se pode chamar assim), não conseguindo descrever uma única cena com talento. Vale, contudo, pela correcção da escrita e sobretudo pela pertinência dos temas que aborda e o rigor com que se reveste as suas investigações. Um bom jornalista que escreve como tal, mesmo quando tenta escrevinhar um romance.
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