5.1.08

Equívoco

Tenho assistido à pseudo-polémica na blogosfera sobre a afirmação de D. José Policarpo de que "todas as expressões de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esquecimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade". Ora, antes de mais, esta afirmação está retirada do seu contexto: uma missa de Natal, onde o Cardeal Patriarca pretendia exaltar o Amor de Cristo. D. José falava para os Católicos. Neste sentido, as palavras do cardeal são de esperança.
Para além disso, continuo a insistir que o ser humano tem uma forte dimensão religiosa (não apenas espiritual). A manifestação desta religiosidade nada tem a ver com a Ética: é, na minha opinião, de foro ontológico. É uma característica do Homem e faz parte da sua razão de ser. Neste sentido, a perda desta religiosidade - e na minha opinião, o ateísmo é uma forma de anular esta dimensão - amputa o ser humano. Torna-o menor. E por isso, é um dos maiores dramas da humanidade.
Não nos esqueçamos, ainda, que D. José Policarpo é o "líder" da Igreja Católica portuguesa. Não é líder de uma associação de cariz social, não é um político, não é elemento de um conselho deontológico. É um Homem de Fé, que numa homilia fala para a sua comunidade. Assim sendo, parece-me que toda esta pseudo-polémica nasceu de um equívoco, não restando muito mais a acrescentar!

Zapping

Agiu mal quem autorizou a abertura de um quinto canal, de televisão em Portugal.
A questão é muito simples. O país não gera, neste momento, riqueza suficiente para um quinto projecto de televisão, concorrente da SIC, TVI, RTP (e RTP2). O destino é que uma das actuais "estações" feche. Era mais honesto e politicamente correcto o actual governo dizer que encerrava a RTP2. Dos quatro canais é o mais frágil. Durão Barroso, através de Morais Sarmento, foi mais corajoso.

Agir, assim é mau. Muito mau para os operadores que estão no mercado e para os que, não estão, mas tencionam entrar.

Na década de 90, era matemático que iriam nascer televisões regionais como cogumelos. A CNL falhou, no Porto a experiência local foi engolida pela RTP (actual RTPN) para não falar dos canais locais que nunca saíram do papel.

Agora vem este governo, a pedido não sei de quantas famílias ricas, de Portugal e do mundo, abrir uma quarta licença de televisão de sinal aberto. Não é bom para ninguém. A SIC, a TVI e a própria RTP vão ser obrigadas a dividir por mais um, o já magro orçamento da publicidade. Alguém vai pagar a factura desta má decisão.

De certeza que não vai ser quem decidiu.

31.12.07

2008

Nestas últimas horas que restam do velho ano, estou cá para me despedir de 2007….

Dizer-te ADEUS.

Perdi a esperança, mas não esgotei a capacidade de olhar em frente. Para ti e para mim, um FELIZ 2008.

30.12.07

A Ilha do Dia Antes

Uma imprevisível queda ao mar, durante uma tormenta, dois dias a flutuar em cima de umas tábuas e o resgate do náufrago por um fluyt (navio holandês) onde aparentemente não há vivalma. Assim se inicia a descrição das aventuras e desventuras de Roberto de la Grive, o improvável herói piomontês d’A ilha do Dia Antes, romance de Umberto Eco, do qual já publiquei dois excertos (aqui e aqui). Com a ironia típica de Umberto Eco (cujo expoente máximo, na minha opinião, é o inacreditável Baudolino), é-nos descrito um Roberto inocente, pueril, manipulável, crédulo, idealista, aspirante a filósofo, apaixonado e o seu contrário, um Ferrante (irmão gémeo imaginário de Roberto), acusado pelo herói de todas as patifarias e das suas desgraças. Pelo meio disto tudo, uma Senhora, ou melhor, um anjo que Roberto ama castamente, mas cuja virtude não é respeitada por Ferrante - para regozijo da Senhora e tormento de Roberto. Discípulo de vários mestres – Saint Savin, filósofo autodidacta da vida e exímio espadachim; o padre Emanuel, especialista nas coisas divinas e em lógica gramatical; Salazar, político que ensina a arte da dissimulação(!); Igby, um inglês que se passeia pelos salões parisienses em tempos nada propícios à presença de ingleses por terras francesas, mas que lhe ensina os segredos do Pó de Simpatia; e o Padre Gaspar, que à moda dos filósofos gregos, é profundo conhecedor de teologia, geografia, astronomia, física e sábio em geral e que consegue conciliar sempre o conhecimento científico com a religião, recorrendo a uma erudição e a um poder de argumentação fora de série -, o jovem Roberto bebe de um cocktail de conhecimentos que reúne toda a erudição europeia da época. Depois ainda os mistérios do Ponto Fixo (perseguido por todas as potências do século XVII) e das longitudes - a cujos possuidores estariam prometidas todas as fabulosas riquezas das Ilhas de Salomão. Ainda o mistério do Pó de Simpatia e de alquimias são outros dos ingredientes deste romance que, à boa moda de Eco, mistura química, física, astronomia, religião e mitologia, em diálogos deliciosamente inverosímeis e improváveis, mas de uma riqueza rara. Por último, uma ilha, em cuja baía está ancorada Daphne - simultaneamente salvação e prisão do infeliz Roberto, que o mantém cativo dado não ter meio para de lá sair -, mas que está inacessível não só no espaço (algumas centenas de metros), como também e sobretudo no tempo (Roberto crê que o barco está separado da ilha pelo meridiano 360º, logo um dia antes – neste estranho e distorcido pensamento onde aqui é meio dia de hoje, ali é meio dia de ontem). Neste romance, nem Judas Escariote é esquecido, condenado a viver eternamente a trágica quinta-feira Santa – e que poderia ter retrocedido um dia a tempo de evitar a traição a Jesus Cristo, mas que o patife Ferrante não permite, mantendo assim a redenção dos homens, pela morte do Messias. E entre o que vive Roberto e aquilo que imagina ter vivido, se faz um romance absolutamente fantástico, onde Umberto Eco nos brinda uma vez mais com uma miscelânea de teorias improváveis, uma enorme diversidade de narrativas e temáticas, sempre com o rigor científico que todos lhe reconhecemos. Naturalmente, ficará desiludido quem procurar n’A Ilha do Dia Antes – assim como em toda a sua obra - o estilo ritmado com que já nos habituraram alguns dos autores de romances pseudo-históricos best-sellers. Este romance é para ser lido com calma, para ser apreciado convenientemente. Não é um romance pronto-a-consumir. Se necessário for, vale a pena ter uma enciclopédia por perto, para melhor percebermos os detalhes das tramas do enredo com que Eco nos enleia. Porque nem sempre é fácil acompanhar a sua profunda erudição. Mas se nos dispusermos a ler calmamente, o gozo proporcionado é proporcional à exigência. Mais um óptimo livro deste autor, que é uma referência na minha biblioteca pessoal.