20.8.05

Comissários Políticos

Como era de prever, a televisão e a rádio da terra terão novas direcções. Que, como era de prever, serão formadas por comissários políticos. À imagem da actuais, de resto.

À boa maneira lusa, os fiéis servidores "laranja" serão substituídos por camaradas "rosa", que se dedicarão, exclusivamente, às dificeis tarefas de sobreviver e de pagar a quem os colocou.

Entrarão cheios de genica, darão entrevistas para explicar o que mudarão e como transformarão os canais em estações modernas e, passados dois anos, sairão pela porta do cavalo, com chorudas indeminizações, depois de terem deixado tudo na mesma.

E quem se lixa, para além dos contribuintes, como é óbvio, são alguns dos bons profissionais que a televisão e rádio públicas da Madeira têm nos quadros. Que são obrigados a dar a cara sendo, muitas vezes, são atacados de forma injusta.

Em resumo, e perdoem-me a linguagem brejeira, "mudam as moscas mas a merda é a mesma".

19.8.05

Estes são os coitadinhos que a Europa bem pensante protege!!





1 - "Oh, Sharon, we are victorious"
2 - "You will never return. We will drive you out (by force) of the belly of the earth and you will disappear from the surface of the earth"
3 - "Our Qu'ran was right and your Talmude lied"
4 - "You refused to leave (the Gaza Strip) while you were still alive...we drove you out as corpses"
5 - "Israel will no longer exist"

Exemplos que se podem extrair do site do Hamas, esses paladinos da justiça. Deve ser fácil negociar com este tipo de mentalidade.



















Máscaras

A sabedoria popular tem destas coisas: acerta, quase sempre, os seus julgamentos. Um dos seus adágios que mais me ocorre nestes tempos é "quem vem do calhau de lá nunca sai". A cada dia que passa é ver a ineficácia dos fatos listados, da brilhantina no cabelo, das pomposas entradas curriculares e do apoio mediático. Assistimos compungidos ao desfilar de eventos pseudo-elevados cujos resultados se esfumam quais dentes-de-leão.
Nada disto consegue impedir que o verdadeiro carácter das pessoas se revele. O hábito não faz o monge, a menos que este cumpra o voto de silêncio.
De facto a política poderá ter muitos aspectos negativos mas, a exposição a que conduz os seus intervenientes dá-nos a conhecer a sua essência. Para o bem e para o mal, sendo certo que ao menor deslize tudo se desmorona e qualquer máscara que esteja a uso perde a sua utilidade.
Cada vez mais, sinto que vale a pena ser genuíno. No fim, paga sempre mais e melhor. Porventura, esta ideia contrariará os cânones da política nacional. Mas quando vemos o "azeite vir à superfície", torna-se confrangedor o espectáculo. Sente-se uma indisposição generalizada e um formigueiro incapacitante.
O que mais impressiona é a faculdade que muitos têm em conviver com esta realidade, de saltar de incómodo em incómodo como se nada fosse. Dir-se-ia que não lhes afecta, que não lhes suscita a vontade de corrigir. Tristes figuras, miseráveis pessoas.

Madeira In(nova)

O blog do Forum de Inovação da Madeira perdeu o pio. O espaço, no qual participavam, entre outros, Raúl Caires e Francisco Fernandes, secretário regional da Educação, e que se propunha dar "um contributo para uma cultura de inovação sustentável" não é actualizado há dois meses, ou seja, desde que foi publicado um post com o título "Plano(s) Tecnológico(s)"...

Ficamos à espera que o www.madeirainova.blogspot.com mande mais qualquer coisa cá para fora. Caso para dizer que a inovação segue dentro de momentos... Lá para depois das férias!

Sudek I


Outra de Sudek.

Somos tão parecidos!

O PS de "cá", seguindo a boa tradição do de "lá" (que frase...), e à boa maneira do que faz o PSD "cá e lá", aplicou o dinheirinho do "jackpot" na contratação de assessores para o grupo parlamentar e de um chefe de gabinete para Jacinto Serrão.

Sim senhor, tão parecidos que nós somos! Falta agora o discurso moralista. Venha ele...

Regulação da Comunicação Social

Francisco Rui Cádima publicou hoje um bom texto sobre a regulação da comunicação social. Embora discorde de algumas das opções de Cádima- a ideia de um "regulador sectorial forte e atento" faz-me sempre alguma confusão -, o documento constitui uma boa base de trabalho e reflexão. A ler no Público (www.publico.pt).

18.8.05

A vida Obscura de Autarca

Desde já agradeço o convite para participar nesta página on-line.

A todos os “escritores”…Sim, porque ainda se arriscam a serem convidados para fazer parte da Associação de Escritores da Madeira. Eu próprio corro esse perigo. Felizmente, já decidi. Não vou aceitar a amabilidade. Não tenho tempo nem pachorra para dar autógrafos.

Nesta estreia, existe um assunto que me preocupa. Não é novo. Pelo contrário, mas infelizmente persiste.

A CORRUPÇÃO

Falo dele, porque esbarrei no caso um dia destes.

Aproveito para denunciá-lo publicamente. Só espero que os nossos autarcas, especialmente, os recandidatos e os novos candidatos a presidentes de câmara façam qualquer coisa para alterar o estado de putrefacção de alguns colaboradores.

Os arquitectos não podem assinar projectos para o próprio município onde trabalham. Eles de facto não assinam. Pedem aos colegas para rubricarem por eles os projectos que fazem. É uma prática corrente destes ilustres profissionais. Porque é que acontece?
A resposta é simples. É muitas vezes a única forma que os munícipes encontram para acelarar os necessários despachos.

Alguns vereadores, (engenheiros), também fazem cálculos de ferro. Trabalham em co-pareceria com arquitectos que lhes entregam os projectos para fazerem os cálculos. Acontece que são os mesmos engenheiros que depois os analisam e aprovam.

Para quem não acredita acontece na Câmara de Santa Cruz, Machico e Santana. Imaginem o que não se passa nos outros 8 municípios da Madeira, para não falar da realidade das restantes câmaras do país.

A prática é tão “normal” que ninguém estranha.
Até os próprios candidatos e recandidatos não disseram nem uma palavra sobre este e outros assuntos, obscuros, da administração autárquica regional.

Angelino Câmara

Nota: Não é nenhuma conspiração. É a realidade.

Os suspeitos do costume

A lista independente à Câmara do Funchal arrisca-se a bater um recorde qualquer de asneiras numa pré-campanha. Depois de uma série de peripécias, Ricardo Fabricio, número três do agrupamento, resolveu ir à vidinha dele.

- "Logo ele, o guru das contas, o mago do Excel e das fórmulas estatísticas, o Deus da calculadoura. Logo ele, o homem que iria salvar a tesouraria camarária. Logo ele, senhores..."

Pois bem, rei morto rei posto e o grupo já arranjou substituto à altura de Fabricio. Mais um

- "gestor de créditos comprovados, guru das contas, mago do Excel e blá blá blá..., que a nossa lista é constituída por profissionais de reconhecidos méritos e blá, blá, blá..."

e o PS a ver a banda passar.

Creio que até Jacinto, embora atarefado, e deslumbrado, com os afazeres de deputado da nação, já percebeu o desastre em que se meteu. E está-se a retirar como quem não quer ter nada a ver com o assunto

- "que eu só táva a passar e chamarem-me para ver!"

Tal como Victor Freitas e restantes camaradas da direcção "rosa".

Mas, como da Rua do Surdo, por norma, só chegam notícias curiosas, a ala Rita Pestana (ela própria), a ala José António Cardoso (ele próprio) e a ala André Escórcio (ele próprio) procuram encostar Jacinto e Freitas ao bendito grupo de independentes, fazendo-os partilhar o caminho do calvário.

- (não, meu caro amigo amigo João CARLOS Pereira, não fica nas zonas altas, teja descansado...).

Aguardo agora, serenamente, que as alas Fernão Freitas, João Carlos Gouveia, Duarte Caldeira, Dona Rita do Amparo, Sr. Manuel da Quinta Grande, etc, se pronunciem sobre tão delicadas questões.

Curiosamente, e o destino tem destas coisas, poderão ser dois "desalinhados" da actual direcção a salvar Jacinto e Freitas. João Carlos Gouveia, que corre sozinho em São Vicente, e José Manuel Coelho na Ponta do Sol, que também dispensa a colaboração dos dois senhores.

Já estou a ver, numa noite chuvosa de Outubro, Jacinto a chamar a si os méritos de bons resultados em São Vicente ou na Ponta do Sol, e a fingir que não conhece Carlos Pereira e a sua "boys band".

Só que aí, entrarão em cena os suspeitos do costume...

- "Roda Roda Vira, Roda Roda Vai"

17.8.05

Safaris

Por amor pátrio, e por amizade ao nosso socrático primeiro, indico-lhe mais uns destinos para safaris. A ver se o homem se diverte. E nos deixa em paz. Definitivamente em paz e sossego.

O Afeganistão e o Iraque são excelentes terrenos para caça grossa. O Ruanda, embora mais seguro, garante boas fotografias. E alguns tiros. Tal como a periferia de Joanesburgo. Na Colômbia, a caça de FARC's, espécie endémica muito apreciada, é famosa. Já a Tchechénia, reserva de caça russa, é insuperável no que diz respeito à animação. É um fartar vilanagem, caro amigo Sócrates...

Vá lá, homem. Não se acanhe. Garanto-lhe que o país ficará lindamente na sua ausência. Para além de alguns boys e girls, e do Armando Vara, poucos sentirão a sua falta. A gente desenrrasca-se, pode crer...

Post-Scriptum: os filhos de Sócrates têm sorte. São os únicos a quem ele cumpre as promessas. Já os restantes 10 milhões de lusos...

Mais um

A partir de hoje, a conspiração integra mais um. Com missão bem definida. Esperam-se novas em breve.

Coragem

Depois de ter pactuado com um dos maiores actos de caciquismo político de que há memória, a Câmara da Calheta percebeu que a debandada dos surfistas teve impactos francamente negativos na freguesia do Jardim do Mar. Um ano depois, já sem pranchas de surf no horizonte, Baeta percebeu! Ou fingiu ter percebido, o que para o caso em apreço é exactamente a mesma coisa.

À quebra de receitas turísticas somou-se o fim da visibilidade internacional que as ondas davam à freguesia. Recordo-vos que manobras feitas no Jardim foram capa de algumas das mais conhecidas revistas de surf à escala mundial. Enfim, nada que não se adivinhasse.

Agora, em ano de autárquicas, Baeta vem prometer a realização de um campeonato de Windsurf. E garante que as obras da Grande Mulhara do Jardim (do Mar) não acabaram com as condições para a práctica de surf. Pois é, ele garante, mas quanto a surfistas, nem a objectiva do jornal os consegue captar...

Aquilo que se passou no Jardim do Mar foi um dos melhores exemplos do mau exercício da política. A Câmara da Calheta limitou-se a obedecer às instruções do Funchal, sem questionar, e sem olhar ao interesse das populações que devia representar. Deu-se mal. E agora vai ter de ser Baeta a dar as explicações. Porque do Funchal, ninguém fala. A falta de coragem política, meus caros, paga-se...

Já agora, a população do Jardim também tem culpas no cartório. Porque se deixou instrumentalizar de forma quase ridícula.

É assim a vida. Ou há coragem, ou todos perdem.

16.8.05

Praga. Imaginada e Recordada


Praga da lenda de Czech. Ou de Libuse, a profetisa. Praga de Venceslau. Santificada pela morte e pelo martírio. Praga do louco Imperador Rodolfo com os seus dois astrónomos,

- Tycho Brahe, dinamarquês com nariz de ouro,

- e Johannes Kepler, pequeno cão doméstico.

Praga dourada, capital da Europa. Praga da Reforma. De Jan Hus e de Matthias. De conselheiros atirados pela janela. De cabeças empaladas na Karlova Most. Praga-noite de Trinta Anos. Praga de Yossel, o Golem de Lowe (pobre defesa!). Praga fechada no Josefov. Praga das perseguições. E Praga de Kafka. A negra praga de Kafka. Praga cinzenta de Sudek. Ou da estupidez estalinista. Praga de cabeça baixa. Embriagada com vodka russo e sangue checo, dançando ao som da Kalinka. Praga verde de Dubcek. De Havel. De Vaculik e das suas 2.000 palavras. Praga iluminada por fogueiras e assombrada pelo fantasma de um imolado. Praga, tarde demais. Praga, cedo demais.

Ou a Praga de Zdeneck. De um estranho professor. E de duas belas mulheres bebendo café sob uma palmeira de plástico.

“Quem poderia adivinhar o juízo da posteridade? Procurando informação sobre Rodolfo na Internet, ofereceram-me não Ripellino ou Evans ou Yates mas, misteriosamente, as memórias de um Kommandant SS de Auswitch, as Enéades V e VI de Plótino, três episódios gravados dos Teletubbies e sete versões gravadas de Rodolfo, a Rena de Nariz Vermelho. Assim morre a glória”.

Praga-Viena-Budapeste por apenas 500 euros! Praga regressada à Europa. A Nova. Praga. A antipática, consumista, ocidental, porém bela Praga!

De tudo isto vive “Imagens de Praga”, do irlandês Jonh Banville, obra editada recentemente pela Asa e incluída na belíssima colecção “O Escritor e a Cidade”.

“...uma tentativa de evocar um lugar através da memória e da imaginação”, segundo o autor.

A ler. Urgentemente. Se possível em Praga, após deambular pelas ruelas de Josefov...

Post-Scriptum: A imagem tardiamente acrescentada pertence a Sudek. E foi retirada do sítio www.elangelcaido.org .

O homem do leme

Deu-se conta que nos últimos dias tem sido governado por este homem?

E você? Hesitaria?

Risque a imagem que não lhe interessa ou descubra onde o primeiro-ministro prefere estar.

Figura A:














Figura B:

15.8.05

Perguntas

A quem interessou a publicação e o destaque dados pelo Diário à entrevista de Armindo Abreu sobre a RTP-M?

E a quem não interessava mesmo nada?

Quem se lembrou de mandar entrevistar Armindo Abreu, jornalista afastado do espaço mediático há anos?

Uma pista: a entrevista foi feita e publicada durante o período de férias de um dos sub-directores do jornal.

Chuva de Peixe

Chuva de Peixe. Chama-se assim um blog criado por alguns jornalistas de cá. Para fazer uma visita basta clicar www.chuvadepeixe.blogspot.com .

A ler

"Desgraça" - J. M. Coetzee (escrito algures em Novembro de 2003)

Estive a ler, por sugestão de alguém, um livro maravilhoso do mais recente prémio Nobel da Literatura, o sul-africano J. M. Coetzee, um autor que me era, até aqui, um completo desconhecido.
O livro chama-se "Desgraça" (Disgrace no original) e conta a história de David um professor Universitário que perde o emprego depois de se envolver com uma aluna (Melanie) e da filha deste, Lucy, uma jovem lésbica desiludida com a vida, que o acolhe numa espécie de retiro espiritual onde se dedica ao campo e à agricultura num ambiente nubloso.
O livro é um retrato irónico, mas muito real da África do Sul dos nossos dias e das consequências do fim do Apartheid na relação entre raças e das mudanças efectivas do poder e da propriedade privada que entre as mesmas se estabeleceram.
É por isso que o livro antes de mais nada é cru: cru como o ódio que pintou a história da segregação sul-africana, cru como a violência implícita em tudo isto e cru como o sentimento de impotência de David perante os sucessivos acontecimentos que inevitavelmente desenham o seu destino e o da sua própria filha.
Há dois momentos marcantes que orientam toda a sequência do livro: o seu despedimento e a violação dentro de casa da sua filha Lucy.
São estes dois átomos que são fulcrais para o desenvolvimento narrativo e para a grande lição que Coetzee nos pretende transmitir.
Todo o livro acaba por ser uma análise profunda às motivações dos homens e à sua incessante busca interior como se interminavelmente andem à procura de algo que os preencha, mas que raramente é quantificável, definível ou sequer hipoteticamente mensurável.
O livro nunca é bonito porque um livro destes nunca é bonito; é um livro ácido, muito azedo, onde o autor, num estilo explicativo simples nos conta de um modo sublime parte do que se alterou na África do Sul do fim do século e a borrasca que a mesma atravessa depois da libertação e do fim de um regime político repressivo e altamente segregador.
É também um livro, quanto a mim, totalmente desprovido de afecto, com personagens já incapazes de amar perante as desilusões e agruras da vida, onde parece haver um medo constante e macabro de falar das coisas que acontecem, do ódio a que estão sujeitos os brancos e da mentira e da ilusão em que vivem como se nada tivesse mudado.
Tudo parece irreal. Confortavelmente irreal, porque tirando David nenhuma personagem quer falar abertamente sobre o que se passa, sobre o que está a mudar, sobre o que sente, sobre o que vê, sobre o caminho que trilham, sobre o surrealismo das suas opções. Tudo é uma doce ilusão porque só numa doce ilusão se pode ainda acreditar na África do Sul. Nesta África do Sul.
"Desgraça" é por isso um livro muito poderoso, porque demonstra bem a falácia do sistema e o modo como estão desprotegidos os brancos numa África do Sul dos negros que num repente se sentem senhores inabalados e inimputáveis do país, das terras, das cidades, das gentes e até das almas; eles são os novos senhores intocáveis, senhores absolutos que vivem numa espécie de cobrança retroactiva de anos e heranças passadas em que tudo é permitido. Sente-se o medo e o determinismo histórico que é fatídico de aceitar o triste, maquiavélico e silencioso destino. "Um dia é (foi) da caça; o outro é do caçador".
É aqui que entra Petrus, a incarnação do novo senhor africano a quem se presta uma espécie de vassalagem e de tributo para habitar nas suas terras e que acaba como dono de tudo: da terra, da família, da força, da protecção, do mundo real que é irreal, da alma e como protector de Pollux, outra personagem, e um dos jovens violadores que é testemunha viva daquilo que aconteceu a Lucy e que cresce carregado de ódio.
Fazendo um aparte, Pollux na mitologia era filho imortal de Zeus sendo na astronomia a estrela mais brilhante da constelação de Gémeos (a outra é Castor). A ironia é que a estrela mais cintilante em Coetzee seja aquele que chega não para dar esperança mas precisamente para destruir essa esperança, ainda por cima com fama de....imortal.
Mas neste jogo de tributos, de vassalagem ao novo senhor feudal, o dono das terras, a Lucy resta carregar no ventre a semente da sua violação como hipoteca para toda a vida e como abono vital para a sua protecção. É aquele rebento, filho mestiço, que lhe garantirá a segurança, a sobrevivência, a companhia, a comida, o tecto que Petrus lhe estende e que fará dela sua amante, sua mulher, sua concubina, sua o que for. Já nem isso lhe interessa porque será aquele rebento que consagrará a sua escravatura eterna perante o novo senhor, da nova África do Sul.
Por seu turno a David resta continuar à procura de si e da ópera interminável que não consegue escrever, ajudando como pode no canil Bev, outra personagem, e mantendo-se por perto de Lucy na medida do possível, tomando um contacto cada vez mais estreito com os animais.
E ele, David, que sente que no canil - que acaba por ser num sentido figurado também a prisão dos homens que aguardam o fatídico fim - os cães também pressentem o sofrimento, a ilusão, a decadência, a submissão, a mudança.
Concluindo, Desgraça é uma metáfora subtil e cruel que mostra como Lucy, uma branca, depende mais de Petrus, o negro, do que do próprio David, o pai, para a proteger e que a harmonização racial na África do Sul passa pela miscigenação entre raças como se se quisesse criar uma nova estirpe que abraçasse o melhor de dois mundos tão distintos.
Só que em Coetzee nada disto é natural. Aliás, em Coetzee tudo isto é uma verdadeira descida ao Inferno onde tudo é consumado pela força porque só pela força, pela superioridade física é possível ficar com a terra, ser protector e fazer um filho na branca.
São estas as grandes lições que Coetzee, num romance aflitivo, doloroso e triste como o maior desassossego jamais imaginado pelos homens, nos narra.
Afinal, Lucy tornou-se prisioneira perpétua num país sem lei nem ordem porque tudo é permitido como se ela expiasse pecados antigos e como se vivesse numa espécie de pensão vitalícia que acabe por justificar o injustificável, tal como os cães que no canil de Bev aguardam a sua vez.
Ele, Coetzee, percebe que "a vingança é como um incêndio [que] quanto mais devora, mais fome tem" e que no fim, o que nos liberta, aos homens e aos cães do canil, aquilo que nos permite partir, verdadeiramente partir da vida, da dor e do ódio, é a morte, porque só a morte nos liberta a alma, porque só a morte nos liberta das grilhetas que nos prendem o corpo à vida terrena e porque só a morte nos salva da arbitrariedade dos outros homens.