6.8.10

Primeiro não gostava, depois gostava, depois já não gostava outra vez.

A minha relação com Isabel Allende teve início muito antes de a ter lido pela primeira vez.
Ouvi falar dela, por parte de quem a conhecia, e do seu “sagrado feminino” como se de uma activista se tratasse. Mantive, então, uma prudente distância, porque desde sempre que os fundamentalismos me causaram pruridos e nunca fui grande adepto de feminismos e outros ismos similares.
Contudo, mediante as conversas que ia tendo, fui descobrindo e/ou intuindo que, na literatura que produzia, fazia uso de um estranho misticismo sul-americano, que reúne xamantismo e tribalismo matriarcal. E foi despertando o desejo de a ler. O filme "A Casa dos Espíritos" foi o gatilho para a minha aventura com a sul-americana atarracada, com ar de inca.
O primeiro livro foi, talvez, o mais improvável: "Afrodite", um livro que, não deixando de ser de receitas, é muito mais do que isso. É um livro de culinária e de paixões, de cozinhados e de desejos, de sabores, de aromas, de toques, que tanto pode servir para a cozinha como para a cama, que tanto pode ser classificado de literatura gastronómica, como literatura erótica. Poucos foram os livros tão sedutores que li como esse. Poucos se insinuaram tanto de forma tão sensual.
Para um amador (porque amo e porque não sou profissional) de cozinha, não poderia haver melhor início. Imediatamente rendi-me à chilena e li – li não, devorei! – todos os livros que me caíam às mãos.
Emocionei-me com a história do clã Trueba; chorei a morte de Paula; revoltei-me contra a ditadura que matou Evangelina e aproximou e afastou Francisco e Irene; deliciei-me com a filha da fortuna, retratada em sépia.
Apaixonei-me por Eva Luna e pelo que dela se contou e nunca o Zorro foi herói tão perfeitamente humano como quando descrito pela mão de Isabel Allende.
Desses tempos, apenas "Plano Infinito" não mexeu comigo e atribui esse facto à infelicidade que qualquer criador está sujeito: os abortos acontecem!

A verdade é que descobri um veludo na escrita de Allende, que nunca vi em qualquer outro autor, mesmo que me incomodasse a sua tentativa de rebaixar permanentemente o homem ocidental, excessivamente estereotipado: machista e misógino; obtuso e insensível; grosseiro e ignorante; boçal e obsceno; imundo e pestilento.

Durante uns anos, não li Allende. Recomecei com "Inês de minha alma" e continuei a sentir essa suavidade quente que brota da sua escrita.
Depois… Bem, depois foram os contos juvenis, com as aventuras de Alex e Nádia.
Não desiludiram, mas deixei de sentir o tal veludo, pelo qual me havia apaixonado e que havia de ser a minha perdição (e a da autora, no que a este seu leitor diz respeito).

O último livro que li dela (estou ainda a ler, para ser mais rigoroso) é, não apenas uma desilusão, como fez esfriar absolutamente a paixão que sentia por ela. "A Ilha debaixo do Mar" não tem o mais leve sinal do tal veludo e parece-me ter sido escrito recorrendo a doses maciças de cábulas históricas. Há páginas e páginas que apenas interessam a historiadores (e tenho dúvidas quanto à fiabilidade das informações), sem qualquer interesse para a narrativa, que não é fluida e parece desinspirada.
Os personagens estereotipados estão ao rubro: todos os fazendeiros são apresentados como bárbaros – Cambray então, é um descendente de Lúcifer – e os brancos são, na generalidade, pouco fiáveis, cobardes, violadores e cruéis, ao passo que os escravos, homens e mulheres, são seres apaixonantes e apaixonados, senhoras e senhores de inteligência e belezas indescritíveis, conhecedores profundos da natureza e do amor. Os colonos assassinam crianças negras para seu prazer: os negros fazem-no às brancas, para defender a sua liberdade.

Posso ser só eu, mas já me cansa esta tendência, ainda para mais sem que aquela contadora de histórias de paixão, com a escrita aveludada se tenha revelado.

Fico, contudo, à espera de mais: porque se não tenho esperança acerca de mudanças na ideologia subjacente, acho que Isabel Allende ainda nos pode voltar a oferecer o sabor sul-americano com que nos sussura(ou) a palavra cantada, e que me fez despertar os mais primários sentidos.

Body, Mind, Madeira... Rali

A promoção do destino Madeira sofre de alguns pressupostos que, por nunca terem sido debatidos, transformam-se em dogmas. Um deles é a eficácia comunicacional do apoio público à realização do Rali Vinho Madeira. Vamos aos factos: a Região tem alicerçado a sua comunicação no conceito que se traduz na assinatura Body, Mind, Madeira, mos...trando o destino como espaço de paz, tranquilidade, beleza e alguma sofisticação. Se é isso que quer comunicar, a prova supra-citada é um "estorvo". É fácil perceber porquê: Pese embora a popularidade de que gozam, os ralis são vistos como competições muito pouco respeitadoras do ambiente, porque altamente poluentes, alterando até alguns eco-sistemas mais frágeis. Como é que isto se conjuga com o "Body, Mind, Madeira"? É fácil, não se conjuga, compreendendo inclusive uma mensagem contraditória, que confunde o receptor. Medir a eficácia de um patrocínio através do tempo de emissão em canais internacionais é absolutamente redutor e distorce completamente a realidade. É fundamental perceber se a mensagem que o tal "tempo de emissão" transmite é coerente com a mensagem global que o destino (produto, marca) quer passar. Esta é uma regra elementar do Marketing... Percebo que se diga: apoiamos o Rali Vinho Madeira porque a população gosta e adere. Não percebo é que se utilize o chapéu da "promoção" que, pelos vistos, abarca o que é e o que não é, para justificar o dinheiro gasto. A questão deve, na minha opinião, ser debatida. Mas terão de ser os agentes económicos ligados ao sector a iniciar a discussão.

3.8.10

Da hipocrisia...

Não assumir em público aquilo que se diz em privado.

Não dizer em voz alta, aquilo que se sussurra em surdina.

Da minha parte poderão contar com bordoada. E estridente!