26.3.05

Alfa, Beta

Os deputados britânicos concordam que os jovens casais devem poder escolher o sexo dos seus futuros rebentos. Acho o princípio um profundo erro porque abre as portas para outras opções. Sobre este tema recupero um artigo meu publicado há algum tempo no DN.

Alfa, Beta...

Vivemos fascinados com a tecnologia de ponta que promete desbravar novos mundos como se uma quimera nos esperasse no fim da narrativa e da criatura tal como a conhecemos. O mundo vive suspenso na possibilidade iminente de criar uma sociedade perfeita e um novo homem fruto da genética, da biotecnologia e de novos, e velhos, processos de engenharia social.
Nunca como hoje se falou tanto em mundo tecnológico. E nunca como hoje se esteve tão perto da criação de “estirpes” mais puras tanto do agrado de certos loucos do século passado, que sem terem os meios sabiam muito bem o que queriam dos fins. Por isso, é bom que se entenda a tecnologia como um bem que é mal e um mal que é bem e que, não podendo ser apenas uma coisa ou outra, é as duas em simultâneo.
Num futuro próximo – ou será já presente? –, perante a escassez dos recursos, o apocalipse e o armagedão, a tensão social e a globalização das atípicas e de outras coisas piores, o novo homem forjado nos computadores dos laboratórios virá preparado para resistir às novas doenças, ao efeito estufa, aos novos cancros e aos raios ultravioleta se preciso for, pois tal como anteriormente ele foi capaz de fazer viver mais tempo e fazer morrer mais depressa, ele será moldado ao ambiente e o ambiente moldado à sua medida.
Então, o novo homem dominará o velho homem. O processo será rápido, pacífico ou talvez não, porque o novo homem começará apenas por ser mais alto, mais forte e mais inteligente. Com o tempo e com a impossibilidade social de todos serem iguais o homem criará outros homens – menos altos, menos fortes e menos inteligentes –, de acordo com o tecido social, de características próprias e capaz de executar todas as funções e tarefas indispensáveis para a sociedade.

Num ápice, o tal “admirável mundo novo” de Huxley cercar-nos-á como a matilha faz à presa até lhe sentir o bafo para depois lhe depositar as garras e os dentes. Será assim que se chegará ao fim da História que tantos, outrora, noutros tempos, se arriscaram a prever. E nós, então feitos outra raça, outra espécie, outra “coisa”, tomando “soma” ou outra droga ou calmante, seremos meras criaturas estereotipadas em Alfas, Betas, Deltas, Gamas ou Epsilões e aquilo que outros, de outras castas, de outras colheitas e de outras estações, decidirem por nós. Tudo será condicionado e mecanizado; tudo terá um fim e um princípio num movimento global que acabará por ser perpétuo e, por ironia do destino, irrepreensível e inquestionável onde Deus será morto pela tecnologia – agora feita doutrina –, e pelo ciúme das máquinas e dos “bugs” produzidos pelo sistema. Nada ficará ao acaso porque tudo já estará escrito e descrito, sem mobilidade, sem conflito, hermeticamente fechado e decidido. Irremediavelmente decidido.
Haverá, então, um novo homem feito máquina (ou uma nova máquina feita homem), mas não haverá a imprevisibilidade, não haverá o ódio, nem o defeito, nem o sonho, nem a esperança, nem outras utopias, nem o diálogo puro e desinteressado, nem nenhuma conduta desviada; haverá vida e haverá morte, mas não haverá memória nem haverá alma: somente um prazo de validade e uma existência sem interesse, sem motivação e sem enredo; não haverá bons, não haverá maus; não haverá amor, cumplicidade ou imaginação. No fim, haverá perfeição...mas não haverá liberdade.
B. Macedo

Nova definição de Clube Sport Marítimo

Um dos 17 clubes da Super Liga que não tem um sino ou uma sirene a tocar sobre o banco da equipa adversária.
B. Macedo

(Des)Carrilho(ar)

Manuel Maria Carrilho está convencido que pode ser um bom presidente da câmara de Lisboa. Eu não duvido da sua boa-vontade, do seu altruísmo e da sua profunda inteligência. Mas desconfio da competência e da ambição.
Carrilho foi um ministro relativamente competente da Cultura. Fez alguma coisa de positiva e, sobretudo, percebeu-se que tinha ideias definidas ao ponto de lhe chamarem o Jack Lang português. Mas falava entre os seus; entre pares, entre gente que lê, que vê, que conhece o mundo, que fala uma espécie de linguagem hermética e codificada, inacessível à grande maioria dos homens comuns. Claro que os intelectuais adoraram a ideia e vêem no avanço de um dos seus uma boa, uma excelente, notícia. A malta, sabendo como isto funciona e tendo acesso aos jornais, já constrói um cenário à medida dos sonhos. Profundo e denso equívoco.
Lisboa não é o Ministério da Cultura. Lisboa é muito diferente e não se conserta com retretes muito elaboradas e com distribuição de fundos e subsídios duvidosos. Gerir a tasca não é o mesmo que gerir o hipermercado: a heterogeneidade e as necessidades tornam tudo uma complexidade imensa e há problemas muito para além da persistente desconstrução de Derrida. Em Lisboa há povo, há gente rude, há gente que nunca leu um livro, há gente que nunca foi a um espectáculo, há gente que não sabe o que é ópera e muito menos concertos de música clássica, aliás como em todo o lado. E há gente que conhecendo a Bárbara, de certeza absoluta, não se parece com ela.
B. Macedo

Nem mascarados (texto reciclado do Carnaval)

Pegue-se num corno e chame-se-lhe política e eis que temos o Partido Socialista. Sobre os de cá já nem falo, tão ignorantes e indigentes me parecem, e são. Falo dos outros, os de lá. Do continente.
Em qualquer sítio do mundo civilizado o bando de “espertos” que empenhou e hipotecou durante 6 anos o futuro deste malogrado país teria uma pena muito próxima da forca. Não se o veria nunca mais em qualquer governo. Nem teria sequer a desfaçatez de lá figurar, mesmo no mais serôdio buraco.
Mas entre nós, a sem vergonhice parece não ter limites. As mesmas bestas, a mesma sucata, o mesmo grupelho apresentou-se outra vez e o povo deu-lhes a condução dos seus destinos.
Se da outra vez ainda havia a patranha da paixão pela educação, que é, com o consentimento geral, o nosso principal mal, desta, porém, nem há nada com que sequer se lhes possa dar o benefício da boa mentira. Já que a coisa do choque tecnológico nem a isso chega.Temo portanto que tenham voltado ao seu formato original de política distribuitiva, que consiste em ir esvaziando o stock esquecendo que este é finito. Mas o pior, pior, pior é que há muita gente que acredita em mascarados. Eu não.

A importância que o turismo não tem

Aqui vai uma ideia feliz no meio da baboseira da Páscoa.

«Portugal sem o Ministério do Turismo é o mesmo que a Arábia Saudita sem o Ministério do Petróleo.»
(Vítor Filipe, presidente da Ass. Portuguesa das Agências de Viagens)

23.3.05

Razão e Paixão

Alberto João Jardim quer um referendo para a criação de um clube único representativo da Região no futebol profissional.

Do ponto de vista teórico a ideia faz sentido, pois permite que os recursos sejam canalizados de forma mais racional e, provavelmente, mais eficaz.

O problema é que o desporto, especialmente o futebol, não é o território da racionalidade. E um clube único, clínico, uma espécie de "edifício inteligente" futebolístico, arrisca-se a ter muito dinheiro e poucos adeptos. Porque a paixão não é criada em laboratório. Limita-se a acontecer.

Escrevo sem esquecer que, quando o Governo aceitou ser sócio da S.A.D. do Marítimo, em igualdade de circunstâncias com o clube, aceitou apoiar de forma incondicional uma equipa profissional da Madeira, no que ao futebol diz respeito. E que, durante todos estes anos fez concorrência a si próprio, financiando os restantes clubes que estão (ou estiveram) na Primeira Liga.

Bem vistas as coisas restam dois caminhos: ou a Região abandona a S.A.D do Marítimo, ou assume a parceria, o que implica a assunção de direitos e de deveres. Um dos deveres, presumo, será o de não concorrer contra si. Assumindo a parceria está encontrado o clube único.

1 milhão de coxos

Fiquei a saber hoje de manhã pela rádio que 10% da população portuguesa é coxa. Repara-se, não são 100 mil ou pouco mais, são 1 milhão de portugas que são coxos e trôpegos.
Quem disse isto não deve estar ciente do que realmente disse, ou então não anda na rua nem lida com gente.
Claro que esta é daquelas afirmações comuns, e cambadas, da comunicação social portuguesa, e que pela rádio ainda passam melhor. Como de costume, ninguém vai aferir coisa nenhuma. E o pior é que a imprensa regional vai repetir a mesma afirmação de cruz. Querem ver!

Magno Velosa

22.3.05

No canil

Um belga, trabalhador de um canil, pode ser condenado a seis meses de cadeia por um motivo insólito: mantinha relações sexuais assíduas com cães. Exactamente: com cães. Até aqui nada de novo e nada de original. Aliás, nada que a eterna Ilona Staller, aliás Cicciolina, e a sua trupe nunca tenham tentado e efectivamente realizado.
Mas não fosse a coisa algo nojenta, excepcional e anómala, e o tipo ligeiramente pateta, eis que a aventura, porventura, se manteria incógnita, por tempo indeterminado, e sem nunca chegar a este blogue. Só que este belga, à procura da fama muito provavelmente, decidiu ir mais longe e vangloriar-se dos seus extraordinários actos. Daí, nada como publicar a coisa na Internet, que é o mesmo que dizer nada como publicar umas fotografias verdadeiramente animalescas e cheias de amor e carinho para com os animais. Só que mesmo apanhado pela polícia com a mão na massa, ou neste caso com o coiso no coiso dos cães, o belga de 36 anos não se intimidou nem afrouxou. E agora, preparando a sua defesa, e com distinta e sábia lata, alega que as suas acções se justificam pela compaixão que tem para com os animais. Exacto: pela compaixão. Surpreendido com o argumento? Não esteja. A coisa seria delirante, não fosse doentia e profundamente patética. Na cabeça louca deste iluminado violador de cães, a sua compaixão tem fundamento porque pretende resolver uma questão de abstinência sexual a que os animais estão sujeitos, nomeadamente os que se encontram presos nos canis. O bom samaritano satisfazia, assim, e de acordo com as suas explicações, uma necessidade básica evidente dos ditos caninos. Não sei se algum juiz engole a treta e desconheço qual vai ser o destino do belga. Mas ainda bem que o tipo não trabalhava num jardim zoológico.

21.3.05

Guterres em saldos

Uma livraria do Funchal quer escoar livros sem procura. E pôs alguns na montra, com os respectivos preços escritos em papelitos amarelos recortados em forma de estrela e colados às capas.

Ao lado de livros de culinária e de corte e costura aparece a cara do ex-primeiro ministro Guterres impressa num papel couché-mate quase branco.

"Pensar Portugal", assim se chama a obra. Está à venda por 3,5 euros. E eu ainda acho que o preço é (foi) demasiado alto.

20.3.05

Congressos

No Fundão, no congresso da JSD, um dos candidatos à liderança do PSD (Luís Filipe Menezes) foi efusivamente assobiado por simpatizantes de uma outra candidatura (Marques Mendes). Sem se perceber o porquê de tanta animosidade realce-se que a JSD nacional não é propriamente um modelo de bom comportamento e de boa educação e que convém não confundir o cu com as calças já que o que estava em causa naquele momento nada tinha a ver com as “brigas dos seniores”. Só que estes meninos não deixam por mãos alheias as suas enormes “qualidades” e “potencialidades” baseadas em logros eleitorais, truques processuais e alianças estratégicas momentâneas tão efémeras como um piscar de olho. No fundo, a batota está instituída e basta relembrar dignos episódios de polícia que envolveram roubos de urnas e outros derivados para se perceber um pouco do que se fala. Castigos? Punições? Penas e penitências? Vários e sortidos, para todos os gostos e feitios e de todos os tamanhos e cores. Principalmente para aqueles que patrocinaram tão faustosos e pacóvios acontecimentos. Alguns foram promovidos a deputados, outros a deputados europeus e alguns até chegaram a secretários de Estado. Pelo meio, destruíram um grupo parlamentar sólido em prol dos seus interesses pessoais e mesquinhos e fizeram eleger uma marioneta como novo líder. Parabéns aos vencedores.

A frase

O CDS é hoje um produto politicamente apetecível. Esteve no Governo e teve acesso a um manancial de informação, o que nos permite ter um conhecimento interno do país.” Luís Nobre Guedes, Expresso, 19-03-2005. Sintomático.

Boateiros e outros que tais

Numa aula de comunicação organizacional, aprendo que nos principais agentes da comunicação informal se encontram os contadores de histórias, os padres, os boateiros, os bisbilhoteiros, os espiões e os intriguistas. Bela teoria. Bela explanação. Bela constatação. Qualquer semelhança com a vida real é pura coincidência.

Dilemas existenciais

É possível a um militante do Bloco de Esquerda ser contra o aborto?
É possível a um militante do Bloco de Esquerda ser contra a despenalização das drogas?
É possível a um militante do Bloco de Esquerda ser contra o casamento dos homossexuais?
Bem me parecia.

Que polícia temos?

Morreram mais dois policias no cumprimento do seu dever. Foi na Amadora, quando estavam a pedir a identificação de um indivíduo. Dois tiros ditaram a senteça de dois jovens, um de 23 anos e outro de 30. Depois da Polícia ter vestido a sua farda de luto, os sindicatos cairam em cima, mas desta vez com razão. Então é necessário fazer horas extraordinarias para apanhar a bandidagem que anda por aí? Os polícias pedem mais protecção e se aqueles que na teoria deveriam zelar pela nossa segurança estão desprotegidos, então que sistema policial é este? Não estou a defender os sindicatos, mas acho que devem dar ouvidos às preocupações que são expostas. É certo que de vez em quando as prioridades estão trocadas. Lembro-me de um caso, aqui na Madeira, em que uma das grandes preocupações de um sindicato estava relacionada com baratas que apareciam numa determinada esquadra... Ridículo, se pensarmos que há homens que, por míseros cento e tal contos, colocam a vida em risco. Tal como estes dois no Continente e tal como o rapaz da Cova da Moura. Perdeu-se o respeito à Polícia e resta saber porquê. Será que estamos mais afoitos? Será que temos pseudo-heróis armados em Steven's Segal? Seja lá porque for, creio ser urgente uma profunda reflexão sobre o sistema policial.
SSFranco