9.12.06

O referendo

A exemplo de alguns socialistas e outros democratas que tais, vi hoje Jorge Coelho defender que se o resultado do referendo sobre o aborto não for vinculativo, a Assembleia deverá legislar de qualquer maneira.
Para além de ver aqui uma cedência à esquerda mais radical - será que o ex-homem forte do PS vai iniciar agora a rotura com a direcção de Sócrates? -, vejo também uma atitude profundamente anti-democrática que só serve para descredibilizar - ainda mais - os deputados da Nação. Mais, a ser feito, conseguirão destruir definitivamente esse ex-libris da democracia participativa que dá pelo nome de referendo, colocando mesmo em causa este sistema político.
Inferir que da fraca adesão nos referendos está a vontade do povo em colocar o seu destino nas mãos dos políticos, é uma atitude irresponsável e pretensiosa. Se o povo não está mobilizado, é porque reconhece que a classe política portuguesa não é digna da sua confiança. Trata-se de uma incapacidade e incompetência dos dirigentes que não conseguem motivar os cidadãos para a participação. Sorte é ainda haver quem participe, perante os tuaregues que proliferam do deserto da política portuguesa.
Sabemos que este conceito da participação nunca foi acarinhado pelos dirigentes deste país. Esta mentalidade é antiga, mas mantém-se bem viva. Basta ver a morte anunciada do instrumento referendo que alguns líderes de opinião têm feito passar. Mas será uma ignomínia sem tamanho transformar esta desconfiança surda em prática política. Será um retrocesso ímpar na recente história democrática portuguesa e será, definitivamente, uma traição irreparável aos ideais de Abril.
PS - Por aqui ninguém se lembrou do 25 de Novembro. Pois bem, eu tal como comemoro o 25 de Abril, bebi à saúde dos militares que se opuseram à tentativa de tomada do poder por parte de forças estalinistas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Sancho

Prometo que não vou falar de aborto, mas sim da questão da democracia participativa e da abstenção.
Em primeiro lugar, mesmo sabendo que esta é uma posição minoritária, deixo logo claro que não acredito na democracia participativa, algo que não tem exemplos dignos desse nome em praticamente todo o mundo democrático. A excepção será a Suiça - um país que não é exemplo para ninguém - em que se abusa dos referendos para contornar a legislação federal que obriga a consensos entre cantões. O resto são brincadeiras de consultas populares com taxas de abstenção acima dos 60/70%.
Na maioria dos países (Portugal incluído) os referendos perdem a importância e participação à medida que sobe o nível da sua realização. Ao nível municipal têm importância, num plano nacional (como o aborto), ou europeu são quase indiferentes aos cidadãos.
A democracia representativa tem as suas falhas, obviamente, mas ainda é o método mais eficaz de produzir legislação e tomar decisões. O povo vota, espero que conscientemente, e confia nos seus eleitos. Se não confiar manda-os embora nas eleições seguintes. Pelo menos em Portugal tem sido assim.
Agora a abstenção. Ao contrário do que dizem os teóricos da política, não considero que a abstenção seja a expressão de uma opinião: é pura e simplesmente a contabilização da irresponsabilidade e da 'balda' nacional. Quem não vota abdica de opinar, demite-se da sua resposnabilidade e por isso não me merece qualquer consideração na discussão de um assunto. Se não votou, não tem opinião!
É muito fácil para os partidos, sobretudo quando estão na oposição, dizer que a taxa de abstenção é um sinal de tudo e mais alguma coisa. Não é. Os abstencionistas são apenas irresponsáveis que deixam nas mãos de outros a tomada de decisões. Mesmo a desculpa de que não acreditam em nenhuma das propostas cai por terra: podem sempre votar em branco ou fundar um partido novo! Sei que isto não é politicamente correcto mas eu também não sou político...
Por tudo isto, seja qual for o resultado deste referendo que nunca deveria ter sido realizado (sobretudo em 1998), o resultado deverá ser respeitado. Mesmo que não agrade à maioria socialista que não teve a coragem de legislar sobre a matéria, há oito anos, mesmo depois de ter incluído a revisão da lei do aborto no seu programa eleitoral.

Um abraço,

Jorge Freitas Sousa

Sancho Gomes disse...

Olá Jorge,

Uma vez mais, obrigado pelo teu sempre valioso contributo para a discussão.

Discordo em absoluto contigo quando afirmas que não existem exemplos de democracia participativa no mundo. Existem milhares de exemplos e experiências fantásticas. É certo que estas se notam mais ao nível local e regional, mas existem também exemplos a nível nacional. Orçamentos participados, gestão de entidades públicas com participação da comunidade são alguns exemplos. Repara que qualquer estudo sério sobre educação de valores, ou para a cidadania impõe, como condição para o ensino do conceito de democracia, a participação. Só se pode aprender ou ensinar a democracia, praticando-a!
É óbvio que não concordo com a substituição pura e simples da democracia representativa, mas acho que o aprofundamento da democracia só pode ser feito se começarmos a caminhar no sentido de implementar medidas de participação dos cidadãos. Neste sentido, é evidente que o referendo é uma ferramenta central, porquanto modelo que convida à participação. Quanto à questão dessa não participação, na minha perspectiva tal deve-se somente à falta de motivação dos cidadãos, em grande parte devido à incapacidade e/ou falta de vontade dos políticos, para além de alguma falta de formação que, naturalmente, reconheço. Repara que a participação tem diminuído, a nível europeu, a qualquer nível, não somente em referendos. Portanto, para mim não é a democracia directa que deve ser colocada em causa: é o modelo das democracias europeias que deve ser questionado.
Em relação à possibilidade de extinguirmos ferramentas que denotem uma fraca participação, conforme alguns já auguram para o referendo, corremos o sério risco de qualquer dia abandonarmos as eleições, tal tem sido o crescimento da margem de abstenção.

Um abraço e fica bem.

PS – Temos que tomar um copo. Vou à Madeira pelo Natal e fim-de-ano. Apita!

Anónimo disse...

Uma vez que a votação não é obrigatória em portugal (e bem) considero que qualquer resultado deveria ser vinculativo, mesmo que desagradasse á maioria que não foi votar.
Aqueles que não se dão ao trabalho de exercer um direito não devem depois exigir os direitos correspondentes.
Quanto ao referendo do aborto, e se o não ganhar, considero que devem ser tomadas as consequencias dessa votação, isto é, todas as mulheres que realizem um aborto ilegal e todas as pessoas que as auxiliem devem ser sancionadas de acordo com a lei em vigor, mesmo que isso corresponda a mais de 10.000 detenções por ano.