Foi tendo como ambiente esse lúgubre buraco que ele chamou à memória a imagem do futuro.
Foram ali antecipados os beijos ávidos das paixões, a vida por vir, como se a quisesse beber toda, às golfadas. Ali descobriu a urgência com que a queria engolir, senti-la dentro da sua pele, a correr no seu sangue, como se o mundo fosse acabar.
Julgava, então, que o futuro traria delírios oníricos, aromas inusitados. Encontrou e viveu as mais belas sinfonias, os mais ardentes sabores, as mais sublimes visões. Foi ali que despertaram verdadeiramente as vozes do seu corpo, que sentiu o fragor da paixão, o apelo irresistível do desejo. Entre consecutivas baforadas de LM e cafés engolidos de supetão, já frios, sonhou com melífluos lábios, que acreditava saberem a cereja e a sal, carnudos como goiabas, de sabor gentil a araçál. Essa foi a caverna que o libertou, verdadeiramente, da infância.
Partilhou sonhos e acreditava ser suficientemente forte para mudar o mundo. Construamos, nós próprios, um outro melhor.
As faltas não aconteciam por não se ir à escola. A aula de latim era pouco importante, os debates de Filosofia demasiado limitadores. Faltavam quando pouco antes das oito não se anunciavam, em entrada triunfante, naquele que era o verdadeiro espaço de aprendizagem.
E se o futuro destruiu muitas das cumplicidades que ali foram geradas, a verdade é que algumas se perpetuam.
Olha-se e vê que apesar da distância que o separa daquilo que sonhava ser, não é, todavia, outra coisa qualquer. Seria possível antecipar isto? Será o presente tão diferente do futuro que desejou?
Sim, o buraco era negro. Mas os sonhos, as ilusões, os sentimentos e os sorrisos - os sorrisos, minha amiga! - iluminavam todo aquele espaço.
E é por esta história que concordo contigo. Não quero chá, nem bolo de leite, nem luminosidade, nem ambiente asséptico, nem vida saudável. Prefiro antes a escuridão que nos protegia do mundo, os cigarros fumados com urgência, enevoando o espaço pouco higiénico e as bicas curtas. Servidas ainda antes sequer de dizer bom dia!
1 comentário:
Ia colocar o comentário em post, porque achei lindíssimo. Já não é preciso. :)
beso
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