“… [a] língua portuguesa, sendo já africana na sua matriz, pelo demorado convívio com o árabe, que muito a contaminou, necessita de enegrecer ainda mais, afeiçoando-se à geografia dos lugares onde estão os seus abundosos falantes.”
José Eduardo Agualusa, Milagrário Pessoal
Oponho-me ao Acordo Ortográfico desde o início.
O meu entendimento é que havia uma submissão aos interesses do Brasil e da indústria livreira brasileira, sem que tivesse havido um acautelamento dos interesses do português falado na Europa.
Não obstante, entendia então, como entendo agora, que é fundamental uma aproximação dos vários “português”, de modo a evitar o aparecimento de uma nova língua (ou mais) com base no português (com riscos geopolíticos inerentes, como alguns dos países da CPLP deixarem de falar português ou da nossa língua deixar de ser idioma oficial da ONU, substituído por uma eventual língua “brasileira”).
Contudo, a minha opinião tem vindo a evoluir e quer me parecer que a minha resistência tinha a haver com questões estéticas e até (porque não assumi-lo?) xenófobas.
Sim, é verdade que ato, ação, fato, ator, espetáculo, para (de pára) são grafias que continuam a incomodar-me. Contudo, não me parece que a língua portuguesa (falada na Europa) perca assim tanto com esta evolução, ou que, de repente, deixemos de nos entender devido às alterações introduzidas.
Qualquer evolução de uma língua provoca resistências. Porque a língua, como a conhecemos desde sempre, embala-nos, é a nossa zona de conforto. Mas não é menos verdade que as mudanças que as línguas sofrem têm vindo, quase sempre, a constituir-se como progressos.
O caso do português é paradigmático. Imagine-se o assombro com que o erudito português terá olhado para o fim dos ph.
Ou pior, com a entrada na língua portuguesa de palavras como pitanga, ou maracujá, caipira, caboclo, jacarandá, Ipiranga – do grito, meu Deus! - (provenientes do tupi), ou abacate (castelhano), manga (índia), oxalá (árabe), batuque, cachimbo, cacimba, pipoca – a minha! – ,caçula, (africano)…
É que gosto demasiado destas palavras para não reconhecer o enriquecimento que elas vieram trazer ao português da Europa. Foram contributos dos diversos povos que falam o português que enriqueceram a nossa língua.
Por isso, parece-me de elementar justiça e até natural e normal que devamos aceitar também as evoluções que o português sofreu nesses países, por esses povos falantes e amantes da língua portuguesa.
Não é justo que a evolução de uma língua seja determinada por uns míseros 10 milhões de pessoas, quando o universo de falantes é de 220 milhões (menos de 5%), ou por apenas um país. Porque a verdade é que a língua portuguesa não é apenas património de Portugal, mas de todos os países e povos que a assumiram como sua. Não é mais dono da língua um minhoto, ou um portuense, ou um conimbricense, ou um alentejano, ou um madeirense, do que um cabo-verdiano, ou um moçambicano ou um brasileiro. É um património de todos, mas não é prerrogativa de qualquer um.
Por outro lado, há algumas curiosidades que podem ser atestadas por qualquer linguista e que até são engraçadas: por norma, são mais conservadores os que estão na periferia do que os que estão no centro, o que significa que o português que se fala em Portugal tem sofrido mais alterações do que aquele que se fala fora de Portugal. Exemplos? O gerúndio, que praticamente não é utilizado na Europa, mas continua a ser uma forma verbal corrente fora do Velho Continente.
Ora, isto levou a situações engraçadas: os portugueses enchem a boa para afirmarem-se herdeiros da língua de Camões, quando o pronúncia do português que se falava à época do poeta talvez fosse mais próxima do português brasileiro do que do português actual. Tomemos por exemplo a palavra esperança: somente no português do Brasil é que conseguimos pronunciar a palavra correctamente (em Portugal pronuncia-se esp’rança). Já viram as complicações da métrica para os sonetos de Camões?
José Eduardo Agualusa, Milagrário Pessoal
Oponho-me ao Acordo Ortográfico desde o início.
O meu entendimento é que havia uma submissão aos interesses do Brasil e da indústria livreira brasileira, sem que tivesse havido um acautelamento dos interesses do português falado na Europa.
Não obstante, entendia então, como entendo agora, que é fundamental uma aproximação dos vários “português”, de modo a evitar o aparecimento de uma nova língua (ou mais) com base no português (com riscos geopolíticos inerentes, como alguns dos países da CPLP deixarem de falar português ou da nossa língua deixar de ser idioma oficial da ONU, substituído por uma eventual língua “brasileira”).
Contudo, a minha opinião tem vindo a evoluir e quer me parecer que a minha resistência tinha a haver com questões estéticas e até (porque não assumi-lo?) xenófobas.
Sim, é verdade que ato, ação, fato, ator, espetáculo, para (de pára) são grafias que continuam a incomodar-me. Contudo, não me parece que a língua portuguesa (falada na Europa) perca assim tanto com esta evolução, ou que, de repente, deixemos de nos entender devido às alterações introduzidas.
Qualquer evolução de uma língua provoca resistências. Porque a língua, como a conhecemos desde sempre, embala-nos, é a nossa zona de conforto. Mas não é menos verdade que as mudanças que as línguas sofrem têm vindo, quase sempre, a constituir-se como progressos.
O caso do português é paradigmático. Imagine-se o assombro com que o erudito português terá olhado para o fim dos ph.
Ou pior, com a entrada na língua portuguesa de palavras como pitanga, ou maracujá, caipira, caboclo, jacarandá, Ipiranga – do grito, meu Deus! - (provenientes do tupi), ou abacate (castelhano), manga (índia), oxalá (árabe), batuque, cachimbo, cacimba, pipoca – a minha! – ,caçula, (africano)…
É que gosto demasiado destas palavras para não reconhecer o enriquecimento que elas vieram trazer ao português da Europa. Foram contributos dos diversos povos que falam o português que enriqueceram a nossa língua.
Por isso, parece-me de elementar justiça e até natural e normal que devamos aceitar também as evoluções que o português sofreu nesses países, por esses povos falantes e amantes da língua portuguesa.
Não é justo que a evolução de uma língua seja determinada por uns míseros 10 milhões de pessoas, quando o universo de falantes é de 220 milhões (menos de 5%), ou por apenas um país. Porque a verdade é que a língua portuguesa não é apenas património de Portugal, mas de todos os países e povos que a assumiram como sua. Não é mais dono da língua um minhoto, ou um portuense, ou um conimbricense, ou um alentejano, ou um madeirense, do que um cabo-verdiano, ou um moçambicano ou um brasileiro. É um património de todos, mas não é prerrogativa de qualquer um.
Por outro lado, há algumas curiosidades que podem ser atestadas por qualquer linguista e que até são engraçadas: por norma, são mais conservadores os que estão na periferia do que os que estão no centro, o que significa que o português que se fala em Portugal tem sofrido mais alterações do que aquele que se fala fora de Portugal. Exemplos? O gerúndio, que praticamente não é utilizado na Europa, mas continua a ser uma forma verbal corrente fora do Velho Continente.
Ora, isto levou a situações engraçadas: os portugueses enchem a boa para afirmarem-se herdeiros da língua de Camões, quando o pronúncia do português que se falava à época do poeta talvez fosse mais próxima do português brasileiro do que do português actual. Tomemos por exemplo a palavra esperança: somente no português do Brasil é que conseguimos pronunciar a palavra correctamente (em Portugal pronuncia-se esp’rança). Já viram as complicações da métrica para os sonetos de Camões?
1 comentário:
Já estou a ver o Obama a pedir uma reunião com o Cameron para unificar a língua anglo-saxónica pelos moldes americanos...
Poiiiiissss....
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