16.12.08

Hipocrisia vs defesa de princípios absolutos


Aqui há uns dias dei comigo a pensar sobre o holocausto e sobre o que representou esse período mais negro da humanidade.

A filosofia e mais concretamente a Ética já nos mostrou que aquele horror só foi possível porque o positivismo - e a crença absoluta e acrítica de que as ciências naturais nos libertariam -objectivaram o que jamais deveria ter sido objectivado: o homem.

Essa objectivação despiu o homem da sua humanidade e transformou-o num objecto como outro qualquer. A maior evidência encontra-se nos campos de concentração nazis. Ali, criou-se a indústria da morte; o extermínio de um povo foi reduzido a uma mera actividade económica. Só assim se compreende como é que os "funcionários" dos campos de concentração poderiam regressar às suas casas, no fim de mais um dia de trabalho, para brincarem alegremente com os seus filhos, ou jantarem calmamente com a família. Apenas compreenderemos aqueles homens, aqueles soldados, aqueles oficiais, se observarmos que eles acreditavam trabalhar num matadouro/fábrica, não de pessoas humanas, mas de meros objectos.

Em suma, parece-me claro que o holocausto apenas foi possível porque relativizaram-se os princípios valorativos a tal ponto que se perdeu a dimensão ética do homem (o judeu não era um homem, enquanto entidade plena de sentido).

Por isso, tenho sempre alguma reserva em aceitar a relativização de valores que considere importantes. É, também, por essa razão que percebo a dificuldade e a renitência da Igreja relativamente a algumas evoluções ditas progressistas. Porque torna-se difícil fundamentar um princípio que não seja absoluto e existem alguns que não admitem dimensões poliédricas.

Claro que, como qualquer homem, por vezes encontro-me em situações ambíguas: por vezes, defendo valores morais absolutos mas quando confrontado com realidades humanas diversas, sinto-me tentado a abrir excepções. Também eu sou hipócrita (como não sê-lo, quando colocados perante situações concretas em que o valor absoluto "viola" a dignidade de uma pessoa humana?), porque por vezes sinto e ajo contra valores em que acredito. Tento, contudo, fazer uma escala valorativa que me permita estar em paz com a minha consciência. E tento respeitar essa escala (que naturalmente, pode sofrer evoluções ou inflexões). Para que quando confrontado com acusações de radicalismo e intolerância possa, em boa verdade, defender aquilo em que acredito de forma intransigente, ainda que sabendo que apesar de acreditar em valores solutus ab omni re (que é como quem diz, que valem por si mesmos), não sou dono da verdade absoluta.

Mas reconheço que esta é apenas uma forma airosa de esconder a minha hipocrisia. E sei-o quando admiro a coragem dos que ousam manter-se fiéis ao princípio, independente dos prejuízos que daí possam, para si, resultar.

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