17.11.09

CASAMENTOS DE 1ª A CASAMENTOS DE 2ª?

Já uma vez escrevi que entendo que o PS tem legitimidade para apresentar uma proposta de alteração à lei do casamento, permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que essa era uma proposta que integrava o seu programa eleitoral. Mantenho. Contudo, também reconheço legitimidade a qualquer partido ou plataforma cívica para exigir um referendo a esta questão. Porque, a despeito do que defendem os defensores dop casamento homossexual, a verdade é que não houve um debate na sociedade portuguesa e seria interessante ouvir o que o povo tem para dizer. E não percebo porque é que os apologistas da alteração da lei tanto temem um referendo: se é uma questão de direito (a casar), acredito que o povo pronunciar-se-á adequadamente. Mais, se o que pretendem é combater a discriminação, nada como um debate sério, racional, aprofundado, para combater esses medos irracionais.
Não obstante, admito que tal não seja feito, ainda que me cause alguma impressão que alguns que tanto apregoam a TOLERÂNCIA recusem-na àqueles que não partilham da sua visão do mundo.
(Também lamento e preocupa-me esta relativização de valores em que vamos mergulhando, mas isto seria conversa para outras “núpcias”.)
Contudo, o que não posso admitir é o logro que estão a oferecer ao povo português, no que toca à adopção, pelos futuros cônjuges. Porque a verdade é que o casamento escancara as portas à adopção. Aliás, permitir o casamento, negando a adopção, é bem capaz de ser inconstitucional, pois discrimina um casamento, em relação a outro (casamentos de 1ª e casamentos de 2ª).
Isto é um embuste e não tarda nada, os mesmos que agora dizem que é perfeitamente possível uma coisa sem a outra, na próxima legislatura (senão antes) serão os primeiros e gritarem contra esta inconstitucionalidade. Por isso, não é sério, nem honesto. E não é assim que se exerce ou defende a democracia.

10 comentários:

Woman Once a Bird disse...

É a decadência total, mas a verdade é que me obrigas a evocar Funes, el Memorioso (que a Deusa não permita que a criatura se aperceba:
http://questao-dos-universais.blogspot.com/2009/11/lamentavel.html

e já agora, também de encontro (e não ao encontro) dos pruridos quanto a casamentos e à possibilidade de famílias fora da norma:
http://questao-dos-universais.blogspot.com/2009/11/contra-natura.html

Sailor disse...

Sim, debate sério e aprofundado é, acertadamente, o que também preconizo. Sem medos, com referendo, pois a isto nos "obriga" uma sociedade democrática e de direito (como dizes, ouvir o que o povo tem para dizer...).
E já agora (se bem que mais apropriado a outro item neste blog), será proveitoso atentarmos na etimologia das palavras: A palavra casamento é derivada de "casa", enquanto que matrimonio tem origem no radical mater ("mãe") seguindo o mesmo modelo lexical de "patrimônio".
No que toca a adopção será que se falará de matrimonio? De segunda??

Woman Once a Bird disse...

Estava ou não estava no programa proposto antes das eleições? O Povo quando foi às urnas, legitimou o programa eleitoral, do qual faz parte esta questão. Então, para quê legitimar o que já foi legitimado pelo Povo?

Sancho Gomes disse...

sailor, bem observado.

woab: o programa está legitimado. mas não é por isso que deixa de ser necessário debate. para além disso, seguindo essa tua lógica, teríamos que "comer e calar" qualquer medida, desde que esteja no programa eleitoral do partido que vence. não é bem isso que tens feito, nem mesmo o que defendes, pois não? para além de que essa é uma visão muito redutora da democracia.

mas sinceramente a minha pergunta é: porque raio tens medo do debate?
qual é p problema? os medos não se dissipam racionalizando-os?

Sancho Gomes disse...

acabei de ler o dois textos que me aconselhaste. não vejo qualquer argumento que me faça mudar de ideias. no primeiro, é um juízo de intenção (acha que o D. Manuel pensa e tal). o segundo, sobre o contra-natura, nunca essa foi a minha argumentação. sempre defendi que a homossexualidade existe na natureza sendo, portanto, natural. o que digo é que sendo natural, é anormal, pois não é a norma. sobre família fora da norma, claro que existem. mas devem ser promovidas? (fugindo um pouco á questão da homossexualidade: uma família monoparental existe e está fora da norma, mas deverá ser promovida? é esta a família que achamos mais "perfeita". não será uma família constituída por pai, mãe, filhos, primos e primas, avós, etc, o melhor meio para criar humanos?)

Woman Once a Bird disse...

Aquilo que defendes é que se coloque à consideração de uma sociedade que sabemos ser em grande parte preconceituosa - com a homossexualidade em geral - decidir sobre a vida privada de alguns cidadãos que, apesar de contribuirem socialmente como todos os outros são tratados como cidadãos menores. Acho legítimo que a sociedade considere (por referendo, se quiseres) o que é comum. Agora, no que diz respeito a uma descriminação deste tipo, desculpa-me mas o assunto tem que ser resolvido. Ponto. E que cada um se preocupe com quem dorme e deixe os outros em paz. Repito, não considero legítimo que se queira cercear os direitos fundamentais de um cidadão em função de uma questão do foro íntimo. E o casamento é-o.

Sancho Gomes disse...

que isso de que cada um deve preocupar-se com quem dorme, estamos de acordo. a questão é querer-se desvirtuar um conceito, apenas porque metemos na cachimoina que é um "direito". diz-me, onde estabeleces o limite, se vamos falar de direitos? como definirás, então, o casamento? quem és tu, ou, como defendes, a sociedade, para determinar que a poligamia, por exemplo, não deve ser legalizada? também temos uma minoria árabe em Portugal... por outro lado, quando se abre as portas à adopção, a questão não é apenas de foro íntimo. é uma questão que a sociedade tem alguma coisa a dizer. ou não?

Anónimo disse...

Sendo simplista (eu pelo menos tenho consciência que qualquer análise é redutora) diria que se estivesse-mos em plena Idade Média e a debater o direito ao casamento sem consentimento dos pais, o Sancho bem como a igreja e a nobreza estaria a defender a norma da época; a não validade do "sacramento" do casamento sem o consentimento dos pais. Aquilo que actualmente é norma (supostamente)- o casamento por amor - no passado foi alvo de grandes controvérsias.

amsf

Sancho Gomes disse...

sim amsf, a sua conclusão é brilhante: sou um homem medieval! já você é um homem de argumentos consistentes, hã?!

Woman Once a Bird disse...

Em primeiro lugar, uma correcção, quando digo descriminação, obviamente refiro-me a discriminação.

Agora, a tua argumentação:
Fico sempre abismada quando se equipara a questão da homossexualidade à poligamia, como se fossem equivalentes; por um acaso a homossexualidade é resultante de um padrão cultural ou religioso? É que não percebo a insistência na comparação do que não é comparável. A defesa do casamento para todos os cidadãos não implica relativismo cultural e em função de um padrão que claramente discrimina um sexo em detrimento de outro (mas isto são outras questões). Não será porque algumas mulheres mulçumanas usam burqa que se passe a considerar legítimo que se desumanize de tal modo uma parte da humanidade. Mas a validação do casamento homossexual não é fundamentada numa questão cultural, nem preconiza uma relativização dos valores, que entra em choque directo com os direitos humanos. Mas se insistes em colocar as duas questões no mesmo patamar, apenas posso concluir que ainda não clarificaste muito bem o que a homossexualidade significa.
Em relação a adopção, meu caro amigo, também os entraves são culturais; porque obviamente que colocar uma criança numa instituição serve o superior interesse da criança, em detrimento de uma família homossexual. Desde que não se viole o sacrossanto direito do preconceito social.
Será interessante referir que há não muito tempo as crianças filhas de pais divorciados eram discriminadas pelo facto de serem oriundas de famílias estruturalmente diferentes. Certo é que esse preconceito foi ultrapassado. Assim, questiono: quais as razões para se vetar a adopção a casais homossexuais? Mas há razões válidas para além do facto de socialmente haver pruridos com a própria homossexualidade - then again, com o facto de uns quererem imiscuir-se na alcova de outros?