Esta semana, em conversa com alguém que dá aulas no Ensino Secundário fiquei a saber que nas disciplinas de Filosofia e Sociologia os professores estão proibidos de, nas avaliações, descontar pontos por erros de português, seja em testes escritos ou orais, seja em trabalhos escritos, seja nas apresentações orais desses trabalhos, com ou sem apoio de suportes informáticos.
De início pensei que se tratasse de brincadeira. Depois, fiquei um pouco mais preocupado, quando constatei que não é o caso de uma escola específica ou de um grupo específico de disciplinas. Corrijam-me se estiver errado, mas pelo que percebi, com a excepção da disciplina de Português (e mesmo esta, não se sabe por quanto mais tempo), no Ensino Secundário público, em Portugal, não se pode avaliar a correcção do uso da língua que é o veículo por excelência para comunicar as ideias e conceitos avaliados nesses testes e trabalhos.
Pois... É que é “antipedagógico”... Há, em Portugal, um conjunto de iluminados que descobriu que corrigir e penalizar os erros é “antipedagógico”. Como se fosse possível distinguir e classificar de modo diferente más ideias mal transmitidas, boas ideias mal transmitidas ou más ideias bem transmitidas. Ou seja aos professores é pedido que, depois de expor e explicar o programa da disciplina, avaliem se tiveram sucesso nessa difícil missão de incrementar o conhecimento dos seus pupilos tentando descortinar o que estes queriam dizer quando escreveram qualquer coisa cheia de erros ortográficos e gramaticais e cuja coerência está ao nível daquela de uma galinha a bicar palavras à sorte em cima de uma folha de jornal. Isto é, o que lhes pedem é que percebam a intenção dos alunos quase como que por “feeling”, literalmente à caça de qualquer coisa que possam aproveitar. Corrigir exames e testes do Ensino Secundário em Portugal é hoje em dia uma mistura de arte divinatória com venatória, uma ciência paranormal.
No meio disto, e porque as consequências são nulas, começa a ouvir-se entre os adolescentes portugueses alarvidades do estilo “eu não escrevo com acentos” ou “eu só escrevo em maiúsculas/minúsculas” e deve estar para breve o lançamento de “eu não uso a letra ‘A’ quando escrevo” que, imagino, fará um enorme sucesso no Facebook. Saber ler, escrever e mesmo falar, são competências cada vez mais desvalorizadas entre nós e não me surpreenderia se amanhã saísse uma sondagem indicando qualquer coisa como “94% dos adolescentes portugueses não consulta habitualmente um dicionário, 34% não sabe como se escreve “dicionário” e 22% não sabe o que é um dicionário”...
Em nome da simplicidade e das gentes simples em que estamos a transformar os nossos adolescentes, proponho que vamos mais longe. Deixemos de penalizar também os erros de contas com a excepção (temporária, claro está) da disciplina de Matemática. Física, Química, Economia, eu sei lá, deixam de ser disciplinas em que é obrigatório saber fazer contas (ou até mesmo saber contar até mais do que dez). Não, esperem! Sejamos ambiciosos, mesmo ambiciosos e alarguemos a medida ao Ensino Superior! Isso! A partir de agora é permitido tirar cursos superiores de Engenharia, Economia, Gestão, Medicina, Sociologia, Filosofia, Direito, etc..., sem saber ler, escrever ou contar. Entretanto é melhor ir construindo algum stock de comprimidos para o coração e, pelo sim pelo não, ter duas ou três cápsulas de cianeto à mão para quando, no futuro, estas almas iluminadas chegarem ao poder...
Pensando bem, a olhar para os exemplos que vêm de cima, seja ao nível do sector público seja ao nível do sector privado, temo que este processo não seja assim tão inovador... Aliás é bem capaz de já ter começado há mais tempo...
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