3.5.05

Portugal

Andava eu a ler Eduardo Lourenço, filósofo que se tornou moda a partir do exacto momento em que deixou de escrever qualquer coisa com interesse, a ver se a pátria se abria perante mim, quando, quase por acaso descubro este poema de Alexandre O'Neill. Que também não responde a nada. Mas que soa bem. E que ajuda a provar que a lusa pátria é quase imutável (conceptualmente, claro).

Portugal

Portugal,
se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar, Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso, de todos nós…

Alexandre O'Neill (1965)

1 comentário:

Anónimo disse...

Sempre gostei desse poema; sempre gostei dos poemas do Alexandre O' Neill, mais ainda quando já tive o prazer de ter uma gaja nua diante e por cima de mim a recitá-lo (entre outras coisas que a boca não é só para poemas) e ao contrário do que disseste pensar (!) creio que esse poema diz muito mas muitos mais tem ele que retratam bem o que ainda somos especialmente um que mete uma gravata.
Sobre o Eduardo Lourenço o problema é ele não pertencer às tuas cores partidárias, deves preferir o Vasco Graça Moura que não tem pensamentto sobre nada, apesar de ser um bom poeta e tradutor.
E também devias descobrir outro O'Neill, dramaturgo. Americano. Recomendo o MORNING BECOMES ELECTRA.
E.B.
Um abraço!