2.4.07

Os anões portugueses

O maior português de sempre para alguns portugueses é António de Oliveira Salazar. A revelação suscitou protestos sortidos e esbracejares divertidos que ajudaram o país a esquecer a tragicomédia que é a sua triste e inultrapassável realidade.

O concurso, convém não esquecer, gerou muita tinta nos jornais, debates televisivos e a própria Assembleia da República parou para discutir a gravidade do assunto. A coisa, como não podia deixar de ser num país que vive do momento e do instantâneo, atravessou todos os quadrantes partidários, servindo para as mais hilariantes interpretações.

Na esquerda, por exemplo, a eleição incomodou os puritanos e deixou-os preocupados com a memória, ou ausência de memória, colectiva de Portugal. Na direita, por seu turno, um riso miudinho deu azo a interpretações de satisfação a que não deve ser alheio o famigerado regresso do Dr. Portas e da sua guarda pretoriana às lides domésticas. Não é à toa que o Xanax começa a ser o melhor amigo dos portugueses.

Mas os que se indignaram com a suposta votação maciça no antigo ditador deveriam estar tão ou mais preocupados com a outra suposta votação maciça no candidato a ditador. A falta de cultura histórica sobre Álvaro Cunhal e sobre o verdadeiro perigo que ele representou, é também ela sinónimo inequívoco das carências de um sistema de ensino totalmente dominado por ideias absurdas e nefastas, onde a maior prioridade é formar, não necessariamente por esta ordem, incultos, incapazes e medíocres.

Compreende-se o horror, o drama e a tragédia, como diria o Albarran. Num país formado de uma briga doméstica, onde os heróis não abundam, os cientistas e os inventores não passam de uma agradável miragem e os políticos são um continuado desastre, pouco ou nada restava aos lusitanos que não fosse uma qualquer escolha entre derivas autoritárias. Nem que fosse para fazer escárnio com o assunto e para quase provocar uma apoplexia à Dra. Odete Santos.

Se me fosse possível dar uma única interpretação possível, eu diria que o Portugal que votou em Salazar representa um passado já sem grande importância e que perante o ruir do sistema optou por um protesto formal contra os políticos do presente (na realidade, na pátria indígena, já pouco espanta e em abono da verdade já poucos recursos restam); e que, num outro prisma, o Portugal que votou em Cunhal, representa uma tentativa de passado que felizmente nunca se realizou e que por vingança ou mau perder não quis levar o abuso para casa.

No fundo, estivemos perante um acto de saudosistas, cada qual à sua maneira. De um lado, os que não esquecem o passado; e do outro, os que se recusam a viver com o presente.