"Reúne sete ou oito sábios e tornar-se-ão outros tantos tolos, pois incapazes de chegar a acordo entre eles, discutem as coisas em vez de as fazerem" - António da Venafro
30.12.07
A Ilha do Dia Antes
Uma imprevisível queda ao mar, durante uma tormenta, dois dias a flutuar em cima de umas tábuas e o resgate do náufrago por um fluyt (navio holandês) onde aparentemente não há vivalma. Assim se inicia a descrição das aventuras e desventuras de Roberto de la Grive, o improvável herói piomontês d’A ilha do Dia Antes, romance de Umberto Eco, do qual já publiquei dois excertos (aqui e aqui). Com a ironia típica de Umberto Eco (cujo expoente máximo, na minha opinião, é o inacreditável Baudolino), é-nos descrito um Roberto inocente, pueril, manipulável, crédulo, idealista, aspirante a filósofo, apaixonado e o seu contrário, um Ferrante (irmão gémeo imaginário de Roberto), acusado pelo herói de todas as patifarias e das suas desgraças. Pelo meio disto tudo, uma Senhora, ou melhor, um anjo que Roberto ama castamente, mas cuja virtude não é respeitada por Ferrante - para regozijo da Senhora e tormento de Roberto. Discípulo de vários mestres – Saint Savin, filósofo autodidacta da vida e exímio espadachim; o padre Emanuel, especialista nas coisas divinas e em lógica gramatical; Salazar, político que ensina a arte da dissimulação(!); Igby, um inglês que se passeia pelos salões parisienses em tempos nada propícios à presença de ingleses por terras francesas, mas que lhe ensina os segredos do Pó de Simpatia; e o Padre Gaspar, que à moda dos filósofos gregos, é profundo conhecedor de teologia, geografia, astronomia, física e sábio em geral e que consegue conciliar sempre o conhecimento científico com a religião, recorrendo a uma erudição e a um poder de argumentação fora de série -, o jovem Roberto bebe de um cocktail de conhecimentos que reúne toda a erudição europeia da época. Depois ainda os mistérios do Ponto Fixo (perseguido por todas as potências do século XVII) e das longitudes - a cujos possuidores estariam prometidas todas as fabulosas riquezas das Ilhas de Salomão. Ainda o mistério do Pó de Simpatia e de alquimias são outros dos ingredientes deste romance que, à boa moda de Eco, mistura química, física, astronomia, religião e mitologia, em diálogos deliciosamente inverosímeis e improváveis, mas de uma riqueza rara. Por último, uma ilha, em cuja baía está ancorada Daphne - simultaneamente salvação e prisão do infeliz Roberto, que o mantém cativo dado não ter meio para de lá sair -, mas que está inacessível não só no espaço (algumas centenas de metros), como também e sobretudo no tempo (Roberto crê que o barco está separado da ilha pelo meridiano 360º, logo um dia antes – neste estranho e distorcido pensamento onde aqui é meio dia de hoje, ali é meio dia de ontem). Neste romance, nem Judas Escariote é esquecido, condenado a viver eternamente a trágica quinta-feira Santa – e que poderia ter retrocedido um dia a tempo de evitar a traição a Jesus Cristo, mas que o patife Ferrante não permite, mantendo assim a redenção dos homens, pela morte do Messias. E entre o que vive Roberto e aquilo que imagina ter vivido, se faz um romance absolutamente fantástico, onde Umberto Eco nos brinda uma vez mais com uma miscelânea de teorias improváveis, uma enorme diversidade de narrativas e temáticas, sempre com o rigor científico que todos lhe reconhecemos. Naturalmente, ficará desiludido quem procurar n’A Ilha do Dia Antes – assim como em toda a sua obra - o estilo ritmado com que já nos habituraram alguns dos autores de romances pseudo-históricos best-sellers. Este romance é para ser lido com calma, para ser apreciado convenientemente. Não é um romance pronto-a-consumir. Se necessário for, vale a pena ter uma enciclopédia por perto, para melhor percebermos os detalhes das tramas do enredo com que Eco nos enleia. Porque nem sempre é fácil acompanhar a sua profunda erudição. Mas se nos dispusermos a ler calmamente, o gozo proporcionado é proporcional à exigência. Mais um óptimo livro deste autor, que é uma referência na minha biblioteca pessoal.
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3 comentários:
bela dica ..esse não li......
feliz 2008
obrigado su e para si também!
Amigo Sancho,
Celebre a vinda do novo ano de maneira efusiva. Que 2008 seja um ano formidável!!!!
Um arquipélago de abraços
Naturalmente que estes votos são extensíveis aos restantes gerentes deste espaço.
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