6.12.09

Não se regressa a um lugar de onde nunca se partiu!

O NESDlx desafiou-me a escrever um texto sobre a minha experiência fora da Madeira! Fi-lo. Publico-o, também, com a devida vénia ao Eduardo, pela gentileza que teve.


Contra a minha racionalidade religiosa, convivo, desde sempre, com um certo misticismo bretão, druídico, que me permite reconhecer o espírito da terra. Por isso, a Madeira para mim não é apenas uma ilha, não é apenas um local, não é uma simples referência geográfica. A Madeira que vive em mim tem uma imagem antropomórfica, tem um espírito, uma alma e uma consciência. Por ela sou uma espécie de Átis que ama e vive para a sua deusa Cibele. Submeto-me a ela com a pequenez de um humano, ante a grandeza da divindade. A Madeira é minha utopia, é a representação terrena do paraíso, é o meu delírio onírico, é a minha maior paixão.
Por tudo isto sinto que nunca saí da Madeira. É verdade que estive - e, por mais um acaso dos destino, permaneço – deslocado. Mas nunca esse deslocamento representou uma ausência. Não teria sido possível. Não para mim.E foi assim que dei comigo em Coimbra, com a esperança e optimismo que se prendem ao olhar dos 19 anos e a Madeira agarrada à voz. Não, não era apenas o sotaque que carregava e carrego comigo, como se fosse o meu bem mais precioso, que denunciava o sangue ilhéu. Quem então me conheceu – aliás, tal como agora – sabia – e sabe! – que, para mim, ser madeirense é mais do que ser natural da ilha: é um estado de alma, é a forma mais elevada de ser eu próprio.
A sombra da Madeira que o Sol do ocaso projecta sobre o Atlântico – e que suporta a lenda da Ilha de Arguim – acompanha-me desde então e não permite qualquer dúvida acerca da minha origem ou do meu destino. Quem me conhecia sabia que não havia concorrência possível, que a Madeira estava-me inscrita no sangue.
Se Coimbra contou? Se consegui libertar-me das inevitáveis amarras que nos podem atrofiar? Claro que sim! A veneração que dedico à Madeira jamais poderia ser motivo de empobrecimento pessoal, jamais poderia ser causadora de perda ou dano. Para além de que, por vezes, é preciso sair para que estejamos dentro. É preciso que nos transformemos em um outro, para que sejamos mais radicalmente nós próprios. E esta aprendizagem foi realizada. As oportunidades não foram desperdiçadas. Cresci com os outros, apreendi a grandiosidade do que é diferente. E isso apenas foi possível porque me desloquei e é a razão pela qual preconizo a saída da Ilha, como aprendizagem. É imperioso que saiamos, que nos permitamos ser desvelados perante olhares diversos.
Quando, em 2001, regressei ao Funchal, senti ter regressado a casa. Afinal, ao contrário do mito grego, não apenas o percurso era importante. Ítaca também o era, como meta, como objectivo primordial.
É verdade que o sopé do Pico da Cruz já não era o mesmo. O amontoado de bananeiras tinha sido substituído por uma floresta de betão. Os amigos já lá não estavam – não como os imaginávamos.
Mas o cheiro que se entranha em nós, a maresia impregnada de humidade que se cola, o sol derramado sobre o mar quando se esconde atrás do Cabo Girão e, sempre e acima de tudo, o horizonte, mantinham-se inalterados. E se perdia alguma coisa em termos de identificação – intelectual, acima de tudo! -, a verdade é que essa perda era compensada pela mesma matriz histórica, geográfica e cultural, que partilhava com quem então me rodeou. O ventre de onde nascemos era o mesmo. E esses são laços poderosos.
Porque o que me caracteriza não é apenas a minha formação; não é apenas a minha profissão; não são apenas os meus hóbis, ou as leituras que fiz. Não! O que eu sou é o sangue que me corre nas veias e que rasga todo o corpo. E esse confunde-se com a neblina que cobre o Pico do Areeiro, com os ribeiros que recortam a Madeira e com as levadas que a esventram. Sou o olhar que se perde na majestade das montanhas, ou na imensidão do mar.
Se foi fácil a transição? Se regressei diferente? Se tinha outras aspirações? Se sentia que as fronteiras naturais da ilha me poderiam aprisionar? Tudo isso é verdade e tudo isso é mentira. Porque, como disse, não me parece ser possível regressar a algum lugar de onde nunca se partiu. E eu, verdadeiramente, sinto que nunca parti!

3 comentários:

Anónimo disse...

"[...]racionalidade religiosa [...]" ?!

A religião é tudo menos racional!

amsf

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Sancho Gomes disse...

Caro anónimo,

vc poderá ter razão nas denúncias que faz. Até concordo que é patético falar-se de falta de honestidade na Madeira, defendendo-se, simultaneamente, todas as sem-vergonhices socretinas. Todavia, não posso admitir que faça as afirmações que fez sobre o Paulo Barata, num post meu, e sem que se tenha identificado. Por isso eliminei o seu comentário e voltarei a fazê-lo sempre que se tentar aqui fazer denúncias sobre alegados crimes, sem que os seus autores estejam, pelo menos estejam identificados.