31.3.05

Ele escreveu como uma fera

Conheci-o bem.

(e às vezes ri-me dele, confesso. Da mania que ele tinha de passear em jantares intermináveis com uma mala cheia de livros dele. E com a Gilda.)

Tivemos boas conversas nas noites longas de uma cidade curta. Com a Gilda.

Sobre livros e sobre a sublime arte de escrever.

Sobre um bar na Zona Velha que não conheci mas que gostava de ter conhecido.

Sobre noites de tertúlia que acabavam em sacro-santas bebedeiras.

Sobre poesia e poetas madeirenses.

(sobre Herberto).

Sobre uma banda que nunca ouvi nas noites do Savoy.

Sobre um cónego mandado à merda.

Sobre a Gilda. E sobre o "meu filho Marco". E sobre a "minha filha Natacha".

Numa madrugada dedicada à poesia, num café do Café do Teatro que ainda não se assemelhava
a um supermercado, ouvi-o recitar um poema escrito pelo meu pai. Fê-lo bem. Com emoção.

Um dia, quis incluir-me numa corrente de poesia que ganhava vida no correio electrónico.

"Tens talento"

dizia o generoso José António Gonçalves, tentando convencer-me, com a Gilda ao lado.

Esqueceu-se da minha fobia às correntes. E de que ele próprio detestava correntes.

Escreveu como uma fera, o José António. Rápida e instintivamente. Como uma fera.

Sabem, meus caros, há notícias que nos batem como barrotes de madeira. Que nos derrubam e nos deixam pregados ao chão, olhos fechados a tentar recuperar o folêgo. Ou que são como putas. Que nos roubam a carteira e nos deixam sem saber para que lado é o norte. Há notícias que nunca deveriam ser dadas.

Gonçalo Nuno Santos

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