Sejamos claros: o processo da licenciatura do primeiro-ministro é algo de muito esconso e estranho. As denúncias constantes feitas em vários órgãos de comunicação social são elucidativas de como este processo merece maior aprofundamento e dedicação.
Claro está que é mais fácil e lucrativo tentar escamotear e esconder este triste filme, usando os subterfúgios mais patéticos, do que proceder à sua urgente clarificação. É isto que o partido socialista, o governo, alguma comunicação social e o primeiro-ministro têm, a todo o custo, tentado fazer. Mas também é importante perceber o sumo da questão. O desemaranhar desta imensa teia assume-se como vital para que se perceba os tenebrosos interesses e as negociatas urdidas, em surdina, responsáveis por este lamentável resultado final. O primeiro-ministro, já todos perceberam, deve explicações. E deve explicações porque a entrevista concedida à RTP nada explicou de concreto sobre a aventura do seu diploma.
As mais recentes notícias continuam, infelizmente para ele, a anunciar um processo obscuro, onde a partilha ou troca de um favor já é mais do que um mero boato ou evidência. A situação é, nestes moldes, insuportável e insustentável. Um primeiro-ministro que obtém por meios pouco lícitos um qualquer favor (neste caso um grau académico) é um político ferido: ferido na legitimidade, ferido na coerência, ferido na credibilidade. O problema é ainda mais acentuado se toda a sua acção política, desde o princípio, se alicerçou nos mitos do rigor, da transparência, do trabalho, da ousadia, da competência, tudo predicados mandados ao ar.
Um dia, quando esta história for relatada à distância recomendada, e sem as pressões políticas que transformaram, por exemplo, uma conferência bombástica num mera declaração inócua, tudo deverá ser claro. Claro o suficiente para que finalmente se entenda o logro em que estivemos envolvidos. Para mal dos nossos pecados, essa dúvida demorará demasiado tempo a ser desfeita e pairará continuamente na já de si muito debilitada, taciturna e nefasta classe política portuguesa. Se não formos capazes de ver isto, não somos capazes de ver nada.