21.8.07

Funchal


amo o outono nesta cidade
as pequenas casas de todas as cores
os campos de vinhas e cana de açúcar os pomares entre maio e agosto
dizes:
eis a tua cidade
a de zarco e colombo
as ruas tão inclinadas como o sol dos invernos profundos
os carros de cestos os caminhantes da encumeada.
eis-te no centro de tudo e os navios parados.
amo o outono nesta cidade com todas as viagens sem chegada.
na véspera já amara as verdes montanhas de leste
as chuvas abundantes
machico entre os seios de ana d'arfert.
depois voltei para sul e amei-te quando cantavas.
séculos antes navegadores de portugal deram-te um nome e era funchal.
depois queimaram as árvores e o mais alto incêndio era uma ilha.
escravos errantes pararam o sol e à volta serenamente e com paixão
espalharam o verde e o azul.
nunca cantaram o bailinho.
hoje
solitários e ébrios trabalham a pedra a beleza a fome e o turismo.
tu
envolta nas lendas e no sonho surgiste devagar e devagar
deste-me os mais belos frutos e os mais estranhos
as pitangas os araçás os maracujás e as romãs da primeira primavera.
eras mulher e quis chamar-te joana d'arc no outono de uma
cidade surpreendida.
foi então que vi a morte aproximar-se vinda do horizonte e cobrir o
pôr do sol das tuas tardes
vi morrerem a água a luz a leve sombra da palidez da tua fronte
vi as aves marítimas seguirem para longe em voo raso
e pela última vez
definitivamente só
eu amei o outono nesta cidade.


José Agostinho Baptista

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