A Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU, de 10 de Junho de 1999, põe fim à guerra do Kosovo e apoia uma "autonomia substancial" para o território, passando a província para o controlo da ONU mas mantendo a integridade territorial da Sérvia. Oito anos depois, continua a ser a única válida para o Kosovo. Esperemos pois que a UE e os EUA não a tentem contornar, apoiando uma qualquer declaração unilateral de independência por parte das autoridades kosovares, que estão a ser pressionadas nesse sentido por grupos mais radicais da maioria albanesa (os norte-americanos estão mais virados para esse cenário do que os europeus). Se o fizerem, poderão desencadear um terremoto com graves consequências, particularmente nas relações do Ocidente com a Russia, já de si tão instáveis. Poderão ainda contribuir para acender rastilhos em outras zonas de delimitação étnica no Cáucaso ou nos próprios Balcãs.
As declarações hoje produzidas pelos representantes kosovares vão no sentido de "acalmar as hostes", sublinhando que a independência é uma questão de (pouco) tempo. Mas nos Balcãs tudo é possível, pelo que é conveniente que os europeus e os norte-americanos se preparem para o pior cenário.
Para a UE, o problema agudiza-se pela proximidade geográfica. Mas não só. Alguns dos estados que a compõem não são favoráveis às pretensões separatistas. A começar pelo Chipre, passando pela Grécia (tradicional aliada de Belgrado), indo até à Eslováquia e a Espanha (por razões óbvias). Se não chegar a um consenso interno a União dará mais uma gritante demonstração de fraqueza, num processo que deveria liderar.
Mas o que fazer neste momento, sabedo-se da dificuldade para colocar em prática uma das permissas mais... ingénuas do "Plano Ahtisaari" - conseguir uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU que apoiasse a independência do Kosovo, "dando a volta" aos "amigos" russos?
Neste momento, é esta a situação:
De um lado temos um "candidato a Estado" que não passa de um "buraco negro", como escreveu recentemente o Le Temps em editorial. Dominado por máfias e por corrupção, com infra-estruturas inexistentes ou parcialmente arruinadas. Com o desemprego a rondar os 40% (dados da UE). Mas cuja esmagadora maioria da população (constituída por 2 milhões de albaneses e pouco mais de 100 mil sérvios) defende a autodeterminação. Com autoridades eleitas sem a participação da minoria sérvia (recorde-se que Belgrado ordenou aos seus cidadãos no território para boicotarem as recentes eleições), mas apoiadas pelos EUA e pela maioria dos estados da UE (Portugal incluído).
Do outro, um estado soberano que fruto da política criminosa de Milosevic se transformou no grande derrotado dos recentes conflitos dos Balcãs. Mas que hoje é uma democracia, procurando aproximar-se da Europa. E que vê no Kosovo uma espécie de "berço da Nação", território onde se situam, por exemplo, alguns dos espaços e monumentos mais representativos da identidade nacional sérvia.
Desde 1999 temos duas comunidades que vivem em linhas paralelas, mas que procuram não se cruzar. Principalmente no que aos sérvios diz respeito. Se não, consultem o sítio da Igreja Ortodoxa sérvia na província (em inglês). Bastante revelador, denunciando crimes e alegados crimes perpetrados pela maioria albanesa.
E então, o que fazer agora? Será a independência coordenada a melhor solução, como defende Timothy Garton Ash, um dos europeus que melhor entende o leste e os Balcãs? Talvez. Até porque, como refere Ash, a "História (...) pratica uma justiça aproximada, na melhor das hipóteses".
Para a Sérvia, será doloroso perder a província, mas a médio prazo a "amputação" poderá trazer proveitos, porque libertará energia para aquilo que é realmente importante.
O discurso a fazer aos sérvios deve então ser, ainda segundo Ash, "negoceiem a soberania formal sobre o Kosovo pela hipótese concreta de um futuro melhor na UE".
Para completar o puzle, diga-se que em Março realizam-se as eleições presidênciais sérvias. "Um passo em falso" poderá levar ao poder grupos nacionalistas com discurso - e práxis - muito semelhante ao do velho "Slobo". O que não deixará de causar instabilidade numa das fronteiras da Europa dos 27.
Muito do futuro da UE nas próximas décadas jogar-se-á na capacidade ou incapacidade que os 27 demonstrarem para liderar o processo em curso. Este um teste no qual a União não pode falhar, uma vez que o Kosovo "é na Europa, e não no Wisconsin", como bem escreve Ash.
No Público de hoje surge um bom calendário. Que "marca" a independência do Kosovo para Fevereiro. Sob a liderança da União Europeia. A ver vamos.
7 comentários:
Caso os Sérvios se sintam enganados poderão fomentar movimentos independentistas em regiões em que são a maioria mas que fazem parte de estados independentes (Corácia, Bósnia,etc) mas que no passado faziam parte da Jugoslávia.
Aos EUA interessa apoiar os kosovares pois simultaneamente enfraquece os russos bem como passa a mensagem de que apoiam algumas causas islâmicas. Os russos e gregos comungam uma mesma crença religiosa (Ortodoxos) pelo que sentem a necessidade de proteger os interesses dos seus "irmãos" sérvios.
O trunfo da Europa junto da Sérvia é o acenar duma adesão mais facilitada. Este trunfo já foi usado aquando da prisão e extradição do Milosovic para Haia e é usado frequentemente com o intuito de conseguir a prisão dos outros dois mais notórios "criminosos" de guerra da Ex-Juguslávia (Karasiski e Meladishi ?). No entanto se olharem para o caso da Turquia terão que desconfiar dessas promessas europeias que não dão em nada.
Ao contrário de muito boa gente acho que a opinião pública foi enganada pelos EUA, usando para isso a OTAN/NATO. De nada serve chamar agora ao Kosovo "buraco negro" e máfia quando "toda a gente" sabia que os EUA estiveram por trás de todo este processo com o intuito de desmantelar a Juguslávia e enfraquecer a Rússia.
Não passarão muitas décadas até que os próprios EUA sofrerão o mesmo "processo" no seu extremo sul, junto ao México. Dependendo do seu poder internacional na altura os conflitos serão vendidos à opinião pública internacional como um caso de polícia ou um movimento independentista. O crescimento demográfico dos espanicos dar-lhes-á a saborear o seu próprio Kosovo!
Creio que não se deve reduzir os conflitos nos balcãs a uma hipotética influência nefasta dos EUA. A Jugoslávia era um castelo de cartas, que só a política repressiva de Tito conseguia unir. Os balcãs sempre foram, historicamente, um espaço de fronteira. Recorde-se que era naquelas terras que faziam fronteira todos os grandes impérios europeus (desde o Romano, que ia até a Dalmácia - hoje parte da Croácia - até ao Sacro Império Germânico, do Bizantino, ao Otomano e ao Austro-Húngaro). Recentemente, alguém descrevia a zona como um emaranhado de gente que ficou para trás. Gente de religiões diferentes, de culturas diferentes (até de civilizações diferentes), gente magoada com um passado do qual todos, sem excepção, têm razões de queixa. Não se esqueça que foi nos balcãs que começou a I Guerra Mundial (o imperador Francisco José foi assassinado por um patriota croata na bósnia Sarajevo. Não se esqueça da posição da então jovem nação croata na II Guerra Mundial, aliada dos alemães, procurou estender a toda a zona a "Grande Croácia", sendo a Sérvia defendida por exércitos de partizans comandados por Tito. Não se esqueça da política de Tito, que procurou "misturar" de forma forçada os povos locais, através de deportações em massa. Não se esqueça de que a Europa nada ganha (nem a Rússia) com instabilidade nas fronteiras. Não se esqueça de que os EUA enquanto potência dominante só existem na segunda metade do século XX. E que o problema dos balcãs é muito mais antigo que isso. Aliás, a independência do Kosovo (Kosova, para os albaneses) já era defendida há 160 anos. E que intelectuais sérvios liberais já sustentavam, na mesma época, a atribuição de uma larga autonomia à provincia como forma de acalmar tensões e mantê-la sob alçada da Sérvia. É óbvio que hoje, a religião une russos, gregos, cipriotas ou búlgaros contribuindo para que mais facilmente abracem a causa de Belgrado. E que para os EUA, o apoio à independência possa ter como pano de fundo a guerra ao terrorismo. Mas não se esqueça também que não fora os Estados Unidos - Bill Clinton - a intervir no Kosovo (através da Nato, com apoio europeu e da ONU)a situação em 1999 teria atingido extremos incontroláveis. Porque a UE não sabia resolver o problema. E mesmo que soubesse, não teria meios para o fazer. Em resumo, parece-me redutor culpar os EUA da actual situação.
O UCK não surgiu do nada. Não foi só a Albánia e as máfias que os armaram. Os próprios EUA fizeram a sua quota parte através dos serviços secretos. Nem tudo o que acontece é escarrapachado na TV.
Se alguêm é apanhado a caminho do Iraque (mesmo no Ocidente) para apoiar a resistência é logo condenado por terrorismo. Em 1999, nos EUA, foram encentivados algumas centenas de albases e outros a se juntarem ao UÇK no Kosovo/Kosova.
A impunidade dos EUA chega ao ponto do Tribunal Penal Internacional não ter qualquer jurisdição sobre eles. Porque será que os criminosos de guerra das balcâs são sempre oficiais superiores enquanto que os condenados pela justiça americana por crimes cometidos no Iraque são sempre simples soldados? Pretendem passar a mensagem de que entre os inimigos quem pagará a factura serão os chefes enquanto que entre eles qualquer crime é da exclusiva responsabilidade do simples soldado. As atrocidades cometidas pelo inimigo são organizadas, as cometidas por eles são danos colaterais ou da responsabilidade individual de quem as cometeu. A história oficial é escrita pelos vencedores mas a história vivida passa de boca em boca e às vezes de geração em geração e esporádicamente acaba por ter repercussões no futuro. Isto acontece cada vez menos pois os povos têm cada vez menos memória e as novas gerações são desde cedo "formatas" pelos meios de comunicação de referência dos vencedores!
Caro:
Sabia que até 1999 o UÇK era considerado pela CIA um grupo terrorista?
Sabia que só a 1999, com a impossibilidade de encontrar outros interlocutores no terreno, a CIA levantou a classificação? E que mesmo assim, continuou a olhar com desconfiança o Exército de Libertação do Kosovo?
- Sabia que a intervenção de 1999 da NATO foi escudada por uma resolução da ONU? E que a Europa "conveceu" Bill Clinton da necessidade de intervir, e não ao contrário?
- Sabia que a dita intervenção surgiu para parar uma operação de limpeza étnica que estava a ser perpetrada pelo exército de Milosevic? Lembra-se das imagens de televisão da altura, ou acha que também eram "invenção" e "montagem" dos americanos?
- Sabia que, do ponto de vista geo estratégico, nem americanos nem europeus (nem russos) beneficiam com instabilidade nos balcãs?
- Sabia que, com as forças concentradas no Médio Oriente, a última coisa que os norte-americanos querem é envolver-se num conflito a milhares de quilómetros de distância?
- Essa ideia peregrina de culpar "os imperialistas americanos" de todos os males do mundo é redutora e, no mínimo, pouco inteligente. Embora esteja em voga entre uma esquerda que se acha inteligente e sofisticada.
Nem lhe respondo à comparação que faz entre a intervenção da NATO no Kosovo e as posteriores intervenções lideradas pelos EUA no Iraque e no Afeganistão. Porque é literalmente impossível comparar o incomparável.
Então as "arengas" sobre os oficiais que são condenados versus os soldados... Bom, meu caro, não vejo porque seja isso para aqui chamado...
Cumprimentos
-Sabia que até 1990 Saddam era um amigo, Noriega também e outros que tais?
-Sabia que a CIA olha com desconfiança para amigos e inimigos e muda a sua visão pública dos mesmos de acordo com os seus interesses?
-Sabia que a Mónica Lewinski fez mais pelo Kosovo/Kosova do que qualquer opinião pública mundial?
-Sabia que a generalidade das pessoas não sabem "tudo" sobre a questão é que inicialmente o problema estava a ser tratado como um problema policial e criminal e que depois de devidamente apimentado transformou-se numa "guerra civil"?
-Sabia que qualquer adversário (EUA) beneficia com qualquer problema que exista no quintal do inimigo (Rússia)? Sabia que o Afeganistão apesar de estar a milhares de KM dos EUA (anos 80) foi instrumentalizado contra os russos (Bin Laden e os Talibans "nasceram" ai)?
-Sabia que em 1999 os EUA não estavam envolvidos em nenhum grande conflito no Médio Oriente?
-Sabia que essa ideia de culpar o império do momento não é típica da esquerda mas é comum ao longo de toda a história humana?
-Sabia que simplificando a situação não mencionei as responsabilidades da Alemanha nas várias guerras dos Balcâs nos anos 90? LOL!
-Sabia que os EUA gastam biliões de US e tem milhares de agentes secretos pelo mundo todo e que não fazem nada com eles e quando o fazem publicam na imprensa?
-Sabia que a primeira vez que os jornalistas foram embebed foi não na invasão ao Iraque mas nas conferencias da OTAN/NATO em Bruxelas?
Há muitas peças do puzzle que não sabemos onde encaixá-las (inclusive eu) mas elas pertencem ao puzzle!
Mais uma vez digo que o mundo não é preto e branco mas cinzento.
Não se preocupe pois sou capaz de fazer este mesmo “exercício” em sentido inverso. A verdade é que quem sofre são as pessoas simples enquanto que os grandes fazem tudo em prole dos seus interesses por trás de uma cortina de fumo alimentada pela imprensa e pelos Nunos Rogérios, Vascos Ratos, etc.
Esses ainda não vieram pedir desculpa juntamente com o Barroso sobre a questão das armas de destruição em massa do Iraque. Vai-me dizer que não tem nada a ver. Quem quiser conhecer uma aproximação da realidade de qualquer conflito tem que conhecer as tácticas e estratégias normalmente empregues e possuir informação prévia ao conflito. Hoje, em qualquer conflito, a primeira vitima é a verdade e a segunda a opinião pública.
Caro:
Consigo, de facto, é dificil argumentar. Você confunde tudo, mete tudo no mesmo saco, põe o Saddam e o Noriega e a Mónica a dormir na mesma cama... Para si existe uma espécie de conspiração que envolve, presumo, judeus, americanos, estagiárias com facilidade nas orais, russos, o Homem Aranha, o Noddy e a Ursa Teresa. Todos estes malévolos(esqueci-me de incluir na lista negra o Pato Donald e o Tio Patinhas, este último na qualidade de financiador do movimento sionista internacional) conspiram contra os povos oprimidos do Terceiro Mundo...
Sim, meu caro, sabia tudo aquilo que aponta e até mais. E sei também que os fundamentalismos se alimentam de ideias como as suas, deturpadas e manequístas, estando na base dos piores actos de tirania da História. Mas honestamente, aulas não dou à borla...
Meu caro amigo leia, vá ao terreno (com eu tive o privilégio de ir), divirta-se, dê um mergulho no mar, dance, faça uns engates, vá ver o Bee Movie, pense por si, mas por favor não me encha a caixa de comentários...
Dou por finda a minha participação.
Cumprimentos e obrigado
Gonçalo Santos
Como é evidente eu sabia que você sabia no entanto parece-me que as suas perguntas anteriores presuponham que eu não perceberia nada do assunto. Esta sua última resposta pressupõe o mesmo com a agravante de querer colar-me ideias que não partilho.
Teve o prazer de lá ir?!...os meus prabêns...mas olhe que isso não é argumento pois muito boa gente também foi à União Soviética e veio ainda mais "convencida" das suas verdades.
Tal como o saber não ocupa lugar também os meus bits não lhe sabotarão o blog.
Post-Scriptum: Não tenho nada contra ou a favor, uma vez que, não sendo sérvio, os assuntos internos da Sérvia não me dizem respeito.
LOL!!!
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