Digo-o desde já: a mim não me preocupam as patetices que o Sócrates diz acerca do Tratado de Lisboa, uma vez que para efeitos de construção europeia, o primeiro-ministro português tem o mesmo peso que o líder cipriota, lituano ou esloveno, ou seja, próximo do zero.
Mas preocupam-me as tentativas mal-disfarçadas dos líderes europeus de tentar mandar às malvas o desejo do povo irlandês. Sempre que falam em encontrar soluções, a mim soa-me que o que pretendem é arranjar uma manigância legal qualquer para ultrapassar o impasse que o Não irlandês impôs ao processo de ratificação.
Há quem defenda que o povo irlandês não tem legitimidade para sequestrar este Tratado (atenção, não são os povos europeus que estão reféns, porque a verdade é que não foram chamados a pronunciarem-se). Mas isto é que é a democracia e, por enquanto, os países europeus ainda têm soberania para fazer cumprir as suas próprias constituições. No caso da Irlanda, o povo foi chamado (e bem) a pronunciar-se e manifestou-se contra. Podemos escalpelizar os motivos para esse Não, mas a verdade é que 53% dos votantes recusaram este Tratado.
Ora, se o documento, para entrar em vigor, exige a ratificação por parte de todos os estados-membro e se nem todos o podem fazer, a solução é simples: pare-se o processo. Há dois anos a vontade dos povos holandês e francês foi respeitada: será menor a legitimidade do povo irlandês? Não imitemos o que os ingleses têm feito há séculos...
A solução que deve ocupar as mentes dos líderes e burocratas europeus tem de passar, obrigatoriamente, por um mudar de rumo. É fundamental a definição de um conjunto de regras básicas que permitam administrar eficazmente a União, mas nem a Europa está ingovernável sem este Tratado (o de Nice continua a servir perfeitamente), nem será possível aprofundar o processo de unidade europeia contra a vontade dos seus povos.
Se o que querem, acreditam e defendem é um aprofundamento da unificação europeia, então elabore-se um documento minimamente perceptível, promova-se a sua discussão abrangente em todos os estados-membro, apresente-se os motivos pelos quais é necessário e, tenho certeza, nenhum povo europeu votará contra. E se, após um processo transparente, de discussão alargada, em referendo, algum povo manifestar-se contra esse aprofundamento, então é porque ele não é possível. Se as diferenças sociais, culturais, económicas e históricas falarem mais alto, não adianta insistir num processo moribundo.
Porque a alternativa que os líderes europeus procuram a mais não vai levar do que a um lento definhar dessa unidade que juram defender, com consequências absolutamente imprevisíveis. Porque é fazendo política assim, nas costas do povo, que se reforçam os movimentos radicais.
4 comentários:
Subscrevo todos os parágrafos. Parabéns pela lucidez e pela fluidez que o texto apresenta.
Aquele abraço
mas alguem leu ou explicou o malfadado do documento.....
dasss para a cretinice....
jocas maradas
Gostei do texto. Nada mais certo.
Quiseram fazer política nas costas de quem os elegeu, e o resultado está à vista.
Tenho para mim que não quiseram explicar o que estava escrito no documento. E quando não sabemos o que lá está...
Tem toda a razão no que diz e escreve.A resposta da Irlanda foi uma maneira de chamar à atenção dos Eurocratas de que têm de descer do seu pedestal e vir até junto do povo dar as devidas explicações,não é através da imposição que se tratam as questões.Continuamos sem saber patavina do que realmente é esse tratado e o que pretendem.Está de parabéns pelo seu artigo.Cumprimentos e bem haja.
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