3.8.08

A propósito de jantares, livros e promessas

No seguimento deste post (que se seguiu à conversa), fiz a promessa de escrever, eu próprio, um texto sobre as minhas preferências literárias e sobre obras/autores de que não consigo ler. Porque nunca me é fácil escrever sobre literatura, andava a ver se adiava a missão, mas a WOAB, qual cobradora de promessas (vestida de fraque ou de coelhinha?!) veio exigir que não esquecesse a palavra dada. Assim sendo, aqui vai.

Já tentei ler, por diversas vezes, o "Levantado do chão" e o "Ensaio sobre a cegueira", mas definitivamente não consigo ler Saramago. A sua escrita irrita-me e apesar dos tais conceitos "geniais" que podem abundar nas suas obras, a verdade é que não desperta o meu sentido estético, maçando-me.
Do Sousa Tavares, li apenas "O segredo do rio", para além das crónicas no Expresso. Como quase toda literatura infantil, é imbecil e imbecilizante (garanto-vos que não cometerei a atrocidade de dar a um filho meu livrinhos com títulos como "Chapeuzinho vermelho" ou "'Pinok e Baleote" - ambos aconselhados pelo Plano Nacional de Leitura, o que diz bem do grau de exigência desta "bandeira" de Sócrates).
Há pouco tempo, passei os olhos, à socapa, pelo "Rio das Flores", visto que a minha namorada estava a lê-lo por sugestão de uma amiga. Pois que me pareceu pretensioso e sem um pingo de talento, versão, aliás, confirmada por ela, cuja opinião me merece todo o crédito. Assim sendo, e porque tenho tanto para ler, não perderei tempo a fazer esse esforço.
Fora da ficção, também tenho um autor que não consigo ler (áh pois é, WOAB!): Jacques Derrida. O homem é absolutamente ilegível (irónico que apenas se consiga ler as suas margens, que é como quem diz alguns dos seus especialistas). Se alguma vez vos aconselharem a ler Derrida, saquem da bengala a façam-n@ sofrer pela ousadia!

Passemos, então aos autores e aos livros preferidos.
Como apaixonado pelo existencialismo, fascinam-me os personagens de Albert Camus e de Fiódor Dostoiévski. Entre as bibliografias de ambos não é fácil optar por um livro mas, a ter de ser, a opção passaria por "O estrangeiro" de Camus e "Os irmãos Karamazov" e "Os Demónios" (na maior parte das traduções é apresentado como "Os Possessos" mas, na minha opinião, o primeiro título é mais adequado) de Dostoiévski. Ambos brindam-nos com personagens condenadas a viver o absurdo, com a particularidade de, pelo menos, terem disso noção. São personagens que vivem em constante (des)equilíbrio, consecutivamente esbofeteadas por essa lassidão tingida de espanto (nas palavras de Camus) ainda que condenadas, como Sísifo, a carregar a pedra montanha fora, para depois a deixar rolar.
"Se numa noite de inverno um viajante...", de Ítalo Calvino, é absolutamente delicioso. Como ele explica, é pura lógica aplicada à literatura do mais alto nível e a prova de que para escrever um romance não é necessário ter uma história. Basta ter o início de muitas.
"Baudolino", de Humberto Eco, também é um livro de referência. Uma viagem pela época medieval guiados pelo maior mentiroso da história, muito parecido com o abade da sopa de pedra.
"A sombra de Foucault", da Patricia Duncker é, igualmente, um dos meus livros preferidos, em pé de igualdade com "De Amor e de Sombra", de Isabel Allende. Duas histórias de amor passadas em realidades muito bem definidas, que interligam maravilhosamente os contextos que as autoras pretendem descrever com as histórias pessoais das personagens.
Mais recentemente descobri Philip Roth, do qual sou um fã incondicional. Se "O complexo de Portnoy" é divertidíssimo e "Todo-o-Mundo" e "Património" são autobiografias enternecedoras (o segundo, assumidamente), "Casei com um Comunista" e "Conspiração contra a América" figuram entre os meus livros de culto.
Da literatura portuguesa poderia escolher inúmeros exemplares. Opto por "Um deus passeando pela brisa da tarde" de Mário de Carvalho. Um romance histórico rigoroso e magistralmente escrito, que relata as perseguições sofridas pelos cristãos de Roma e a consciência de um homem público.
Porque todos nós temos esqueletos guardados, assumo que sou um leitor assíduo de José Rodrigues dos Santos. Reconheço que lhe falta o veludo dos escritores (aqueles a quem se pode chamar assim), não conseguindo descrever uma única cena com talento. Vale, contudo, pela correcção da escrita e sobretudo pela pertinência dos temas que aborda e o rigor com que se reveste as suas investigações. Um bom jornalista que escreve como tal, mesmo quando tenta escrevinhar um romance.

5 comentários:

Woman Once a Bird disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Woman Once a Bird disse...

Obviamente de fraque - isso de coelhos é uma xaropada. Para além disso, vestida a rigor para aguentar com as bengaladas à conta do teu des-gosto quanto a Derrida. E já que estou com a mão na massa (que não na bengala), O Monolinguismo do Outro, ou o Véus à Vela são leituras que eventualmente te convidariam a arriscar um bocadinho mais. Já para não falar de Memórias da Cegueira - um dos textos mais inspirados que já li (e com muita dificuldade, que ainda não está traduzido - espero que F.B. um dia destes lhe pegue).

No que diz respeito ao Italo Calvino, essa é uma das minhas impossibilidades esquecidas. Gosto de algumas passagens, mas nunca lhe

Woman Once a Bird disse...

...li umlivro na íntegra. (dizia eu quando fui brutalmente interrompida por uma tecla apressada).

Su disse...

o menino é um devorador de livros

e

belas escolhas

e

odios admiraveis:)

jocas maradas ...sempre

Sancho Gomes disse...

WOAB: Calvino é efectivamente uma lacuna nas tuas leituras. Tudo o que lhe li (e foi quase muito) é absolutamente fantástico. Pegues por onde pegar, pelos ensaios ou pela ficção, tudo vale a pena.

Sim, e começas a aventurar-te a levar umas bengaladas. Olha que eu sou um homem doente...


Cara companheira Su, sabia que as minhas escolhas seriam do teu agrado. Pelo menos os ódios;).