30.4.09

Oportunidade para reflectir sobre a cidade

Na próxima semana, Évora recebe o III Congresso Nacional das Cidades Educadoras.
Como os frequentadores deste blog sabem, raramente falo de eventos que acontecem em Évora e muito menos daqueles com os quais, de alguma maneira, estou relacionado.
Todavia, num ano em que vão acontecer três actos eleitorais, a importância deste evento e da sua temática, bem como o movimento que os sustentam, são razões de sobra para o divulgar.
Comecemos, então, pelo movimento das Cidades Educadoras, que deu lugar à Associação Internacional das Cidades Educadoras e que reúne hoje, passados 19 anos desde o seu nascimento, mais de 500 cidades dos 5 continentes, entre as quais 35 são portuguesas.
Este movimento nasce do reconhecimento de que a cidade é um sistema complexo e poliédrico, com inúmeras potencialidades educadoras. Todas as suas dimensões (espacial, de organização, de comunicação, de educação, de apoio social, de cidadania, política, etc.) são passíveis de serem catalisadores de uma atitude educadora, entendida de um ponto de vista formal, não formal e informal.
Todavia, como o conceito grego phármakon elucida, essas potencialidades facilmente podem resvalar para veneno, tornando-se deseducadoras. Importa, portanto, optimizar essa característica inerente às cidades, construindo-as como espaços de vivência social, democracia e pluralismo, reconhecendo que a cidade é, antes de mais, o espaço da Cidadania.
Neste contexto, a questão do património assume-se como elemento fundamental.
Se a cidade tradicionalmente - entenda-se como "tradicional" a cidade nascida após a Revolução Industrial -, tinha como único sujeito o cidadão, a cidade de hoje reúne no seu seio múltiplos sujeitos, como os agentes económicos, os imigrantes ilegais (uma vez que os legais são cidadãos de pleno direito), os turistas, os movimentos associativos, os hotspots wireless, etc., que, frequentemente, concorrem para a perda de identidade, provocando uma tensão permanente.
O património surge-nos, então, como um referencial, um factor de enraizamento e valorização da identidade local, mas também, pela sua dimensão ética, como um importante elemento de abertura à diferença e à alteridade (porque o património não é apenas uma qualidade do que é meu) que contribui para a cidadania plena.
O património é, portanto, tudo o que constitui a cidade: cultura, tradição (oral, etc.), arte, arquitectura, simbologia, ética, costumes e religião, paisagem, natureza, enfim, todos aqueles valores designados de primeira, segunda e terceira geração.
Deste modo, o património é percebido (e bebido, porque não?), através de todos os nossos sentidos, identificando-se com a própria cidade.
É por isso que este me parece um evento de extrema importância, onde técnicos, políticos e intelectuais irão reflectir sobre a construção de uma cidade nova, suportada na valorização da cultura e património locais, sem provincianismos bacocos, mas que se pretende, simultaneamente, aberta ao mundo e à alteridade.
Uma óptima oportunidade para criar uma nova atitude de gestão da pólis.

1 comentário:

il _messaggero disse...

Como o Sancho bem referiu, a cidade é por excelência desde sempre um espaço de inovação e criatividade.
E quanto mais diversidade esta comportar, mais potencial de inovação e riqueza poderá gerar.

A grande questão que tem sido levantada nos últimos anos é começar a olhar a cidade sob os mais variados prismas. Há a cidade enquanto espaço económico, existe a cidade enquanto espaço social, existe a cidade enquanto pólo de cidadania, assim como muitos outros prismas que por sua vez se encontram inter-relacionados uns com os outros.

Uma cidade deve assim ser pensada não como um espaço meramente físico, usando instrumentos inadequados pois os mesmos carecem de conexão com as suas múltiplas facetas - olhe-se o exemplo do PDM que tende a ver a cidade apenas como espaço físico, compartimentando o mesmo e não agregando o mesmo como deveria acontecer.

Agregado a isto, há lógicas que convém adaptar. Qual a resposta ao dilema projecto de matriz interdisciplinar a longo prazo (cobrindo as várias vertentes da cidade) com a lógica do calendário eleitoral? Será que os autarcas pelo facto de quererem garantir a sua reeleição (o que aliás acaba por ser normal), não preferirão apostar em projectos e visões com efeitos mais imediatos e palpáveis?
Não será que tem sido esta falta de coordenação e visão a curto prazo que tem degenerado numa pouca valorização de todo o potencial da cidade enquanto espaço de diversidade e inovação?

Lanço estas questões, porque nos últimos anos há muito a tendência em embarcar numa lógica muito ligada ao marketing das cidades, apostando muito neste aspecto e menosprezando provavelmente o verdadeirto cerne da questão.

Ou então, por outro lado, notamos muito a tendência em todas as cidades quererem adquirir a aura de cidades criativas, conforme defendido por Florida. Há antes de mais que aproveitar todo o potencial endógeno da cidade e potencializar e enriquecer o mesmo com todas as interacções externas que a cidade, enquanto pólo, possibilita.

Desejos de bom evento!