Antes de mais faço uma declaração de interesses: não li o documento integral, porque não o encontrei, apesar de o ter procurado nos sites da Assembleia Legislativa Regional, do Grupo Parlamentar e do PS/Madeira.
Esta circunstância, naturalmente, limita o meu conhecimento do projecto, sendo que algumas das minhas observações podem ser suportadas em mal-entendidos normais nestas situações.
O meu comentário tem como base a peça jornalística de Jorge de Freitas Sousa, o que implica que apenas analise aqueles que foram os destaques feitos por si, ignorando se estes correspondem às grandes reformas propostas – pese embora o grande respeito, reconhecimento profissional e estima pessoal que tenho pelo jornalista.
Começo por reconhecer pertinência ao projecto. Apesar de não estar na agenda mediática ou sequer educativa nacional, a verdade é que a crise da escola como instituição há muito que é debatida nos círculos académicos e há muito que são questionados modelos alternativos.
Ora, apesar da crise ser reconhecida por todos, o que já acontece desde os anos 70, desde que Ivan Illich publicou o seu “Educação sem Escola”, acentuada pela escola “pós-moderna” (que nasceu da queda do paradigma comunista), a verdade é que em Portugal nunca foi possível os cientistas da educação (e políticos, naturalmente!) porem-se de acordo acerca do paradigma a implementar, pelo que todas as reformas não passaram de pequenos remendos numa manta já demasiado rendilhada e remendada.
Deste modo, é oportuno a apresentação deste documento, parecendo-me mesmo que a Região poderia ser um laboratório interessante para implementar um modelo de educação alternativo, o que até seria possível, no âmbito das suas competências ao nível da educação.
Contudo, apesar de reconhecer que algumas medidas são interessantes e de concordar com elas, parece-me que a proposta não é tão ousada quanto poderia/deveria ter sido. Antes de mais porque não define claramente um modelo alternativo. É certo que aponta alguns caminhos, mas não quebra com a “tradição escolar portuguesa”, nem corta com alguns mitos enraizados. Enfim, não define com clareza o que deve ser a escola, nem como convivem as dimensões formais, informais e não formais da educação, dentro do espaço e do tempo escolares.
Porque se queremos salvar a escola pública (e este “salvar” entenda-se como o resgate da mediocridade do ensino e das aprendizagens que, infelizmente, minam as nossas escolas), é urgente determinar com clareza o que queremos para a escola: se um espaço e um tempo minimalistas, para aprendizagem dos saberes básicos (o que não me parece razoável, atendendo aos desafios e competências que foram atiradas às escolas); ou um espaço onde as crianças e jovens passam a maior parte do seu tempo, em actividades “escolarizadas” (ou curriculares); ou, em alternativa aos dois primeiros, um modelo onde a dimensão curricular conviva com as dimensões informal e não formal, com projectos educativos que respondam às necessidades individuais, sem a recorrente confusão entre o “espaço escolar” e o “espaço não escolar” que interagem fisicamente nos estabelecimentos de ensino.
Ora, na minha opinião, são estas as amarras que urge romper e, uma vez que a proposta do PS não o prevê, acaba por ser mais um remendo para a tal manta. Percebo, contudo, alguma limitação que André Escórcio possa ter sentido, atendendo ao enquadramento legislativo nacional.
Vamos então às medidas.
Parece-me adequada e exequível a proposta de gratuitidade do ensino. E não me choca que a Região gaste mais em Educação, pois, apesar dos mitos, ainda estamos distantes do rácio de financiamento dos países escandinavos e ainda mais do modelo norte-americano. Parece-me uma falsa questão, apesar de ter algumas dúvidas acerca dos 20 milhões.
O modelo de escolas pequenas também me parece correcto, ainda que falte dizer que esta alteração teria de ser faseada e perspectivada a médio prazo. Por outro lado, teriam de ser analisadas as questões organizacionais, nomeadamente aquelas relacionadas com localizações, cantinas, transportes, etc., que comportam custos muito avultados e o sistema teria de ser racional.
Também colhe o meu apoio a possibilidade dos encarregados de educação poderem escolher as escolas e registo esta proposta muito pouco “socialista”.
As questões das batas e dos auxiliares são questões de lana caprina, que nem sequer constituem novidade.
A redução do número de alunos por turma é uma boa medida mas tenho dúvidas acerca da relação eficiência/eficácia, bem como a capacidade da Região para fazer face aos custos.
Também não me parece adequado que as escolas contratem os docentes que considerem adequados. Sou de opinião que, mediante a apresentação de um projecto educativo fundamentado, deverá diferenciar-se a alocação de recursos humanos e que devem ser as escolas a contratarem esses recursos.
Quanto aos clubes (a tal dimensão informal), subscrevo inteiramente a proposta e sou mais radical: devem-se criar tantos clubes quanto aqueles que a comunidade educativa entender necessários e adequados à realidade local (mediante um critério de racionalidade).
A questão da educação desportiva não me parece premente, ainda para mais num modelo como o norte-americano. Nos Estados Unidos não há uma tradição desportiva fora das escolas/universidades, o que não se passa na Madeira. Aliás, nesta questão, inclino-me mais para a prática que vem sendo seguida pela Secretaria Regional de Educação, que é abrir a escola aos clubes e associações desportivas, com benefícios para ambas as partes, mas onde os principais beneficiados são os alunos.
Não concordo, de todo, é que haja uma redução sistémica do financiamento ao ensino privado e cooperativo. Em meu entender, a concorrência é benéfica até para a escola pública e a educação não pode ser área tabu para o empreendedorismo empresarial. Aliás, o modelo que defendo está nas antípodas: as famílias deverão poder escolher entre o ensino público e o ensino privado, cabendo à administração pública garantir que todas as famílias têm igualdade de acesso. Até porque estou em crer que uma boa escola pública será sempre a opção preferencial das famílias.
Por tudo isto, acho que a proposta do PS-Madeira constitui uma boa oportunidade para a realização de uma discussão séria acerca da escola que se quer para o futuro. E seria imprudente, revelando até alguma incúria, o PSD desaproveitar esta oportunidade para a construção de um modelo educativo de vanguarda. Não quero com isto dizer que se tenha de aprovar ipsis verbis a proposta. Mas a discussão deve ser feita com ponderação, sem atirar o bebé juntamente com a água, em nome do futuro dos madeirenses. Porque as boas ideias, venham de onde virem, devem ser aproveitadas.
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