Quando se fala na pobreza em África é importante desmontar duas ideias, ou fantasias, falaciosas: o colonialismo acabou, mas continua responsável por aquilo que acontece em África (primeira ideia); a liberalização do comércio aumentou as desigualdades e, consequentemente, a pobreza em África (segunda ideia).
Entre 1960 e 1997 o continente africano recebeu qualquer coisa como o equivalente a seis planos Marshall. Resultado: um enorme e indescritível desastre. África está hoje muito pior do que estava, há quarenta anos atrás. Um exemplo particular: a esperança de vida no Zimbabwe passou de 56 para 33 anos. Vários outros exemplos gerais: metade da sua população vive com menos de um dólar; a fome mata anualmente milhões; a esperança de vida está nos 46 anos; uma em cada seis crianças morre antes de atingir os 5 anos; há 25 milhões de infectados (projecções simpáticas) com o HIV sendo que dois milhões sucumbiram à pandemia apenas em 2005. Problema central: o mundo perante a catástrofe evidente, alicerçado num forte sentimento de culpa (ocidental, sobretudo), decidiu doar rios de dinheiro que mais não serviram do que para encher os bolsos ou de políticos corruptos ou de senhores da guerra. Em qualquer das hipóteses, tratou-se sempre de gente pouco recomendável, que na maioria larga dos casos dedicou-se afincadamente à destruição física, e maciça, dos recursos disponíveis. Como lamento, a grande massa dos europeus convenceu-se de que doar dinheiro apagava o desconforto das imagens que corriam mundo e eliminava, da sua consciência, os dramas e as tragédias individuais e colectivas que entravam, via televisão, casa adentro. Por isso, nada como puxar do livro de cheques e comprar alguma leveza de consciência. Erro crasso, claro está. A maioria dos fundos disponibilizados acabou em parte incerta. Aliás, 80 cêntimos de cada dólar, para ser mais exacto. E claro que a caridade não desenvolveu as estruturas económicas nem deu azo ao desenvolvimento efectivo de uma classe média empreendedora capaz de solidificar alguma coisa de concreto que pudesse avalizar um qualquer futuro. O dinheiro mandou. Logo, o dinheiro comprou, por exemplo, as armas necessárias para amansar o povo e eliminar os adversários, principalmente os incómodos, em troca do forjar de algo levemente parecido com eleições.
Depois da Guerra Fria, situação complexa que não pode ser avaliada fora do contexto específico da época e dos blocos divididos por um muro, restou um único culpado: a América imperial, mais os falcões da sua administração (do passado e do presente, com especial ressonância na administração Reagan, afinal aquela que fez o muro ruir gerando um ódio evidente), responsáveis pelo arrastar das situações devido à sua política geoestratégica expansionista e predatória dos recursos terrestres ou mesmo devido à falta de interesse da região em questão. Outro grave, e roliço, engano. E explicação demasiado simplista para ser levada a sério. Os primeiros responsáveis da grave situação africana são os seus governantes, mesmo que educados nas melhores universidades americanas, inglesas, russas ou francesas e sob influência do “ocidente”. É preciso dizer as coisas como elas são. Usar o colonialismo, ou mesmo o pós-colonialismo, como justificação e desculpabilização pelo terror instituído e diversificado, não ajuda a resolver a situação porque, é preciso que se diga, boa parte dos líderes africanos são déspotas da pior espécie e, em alguns casos, notórios serial killers. Tudo o resto, é defender o indefensável e ser conivente com quem diariamente trai o seu povo, não criando uma única infra-estrutura que possa fazer crescer um país.
Quanto ao argumento da liberalização do comércio é preciso dizer que este é, e quanto a mim, um não argumento. Porque sucede precisamente o contrário: o problema africano resulta do excessivo proteccionismo de alguns mercados e não da liberalização do comércio ou da globalização em si. Basta ver a vergonha da União Europeia e das suas políticas agrícolas, o proteccionismo alfandegário e aduaneiro de blocos comerciais antagónicos e o recente falhanço da Organização Mundial de Comércio. O problema é estar, e continuar, à margem da globalização. Não é estar na globalização. O problema é que gostamos demasiado do nosso bem-estar e aceitamos que líderes africanos continuem impunes. O problema é que passar o raio do cheque é bem mais fácil. E dá menos chatices.
B. Macedo