5.6.06

Conversa da Treta

Foi engraçada a conversa entre aquelas duas senhoras (duas autênticas damas!) e a Ministra da Educação. Foi bonito de se ver, tão amigas que as três aparentavam ser. Mas gostei mesmo foi de ver como as duas supostas entrevistadoras conseguiram fugir a todas as perguntas mais incómodas. É que o processo costuma ser inverso. Mas compreendo, afinal a Sr. Ministra era convidada e um bom cicerone não compromete quem convida.

Também gostei de ver que a Sra. Ministra levava uns gráficos jeitosos. Com umas linhas de crescimento acentuado e outra que mais parecia um traço de régua na horizontal. Curioso é que a senhora não tenha indicado quais foram os critérios que levaram a tal horizontalidade. É que “inventar” dados e fazer riscos, eu também sei.

Outra coisa que me impressionou foi a capacidade da Sra. Ministra repetir ipsis verbis afirmações anteriores. É preciso ter grande memória, mas a verdade é que eu perdi 10 minutos da conversa e quando voltei, a Sra. estava a repetir o que tinha dito anteriormente: palavra por palavra, juro! Parecia um dejá vu.

Mas vamos ao mais importante: a Sra. disse coisas boas e originais. Mas a exemplo do tal aluno (ou seria doutorando?) da estória, foi pena que as coisas boas não fossem originais e que as originais não fossem boas.

Antes de mais as boas: a necessidade de uma avaliação externa para os docentes. Todos nós estamos de acordo com o princípio de avaliação dos serviços públicos previsto no Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004. O desempenho dos docentes, tal como o dos médicos, tal como o dos juízes, tal como o dos polícias, ou outros demais, deve ser avaliado, pois acredito sinceramente que o aumento da qualidade do serviço que se presta está dependente de processos de avaliação. Por outro lado, acho que os profissionais competentes devem ser distinguidos dos medíocres, ou seja, é fundamental distinguir o trigo do joio (perdoem-me o desvio popular). Naturalmente, esta ideia de avaliação dos serviços públicos, sendo boa não é nova. O que é novo é o método. E este, sendo original, não é nada bom. Em primeiro lugar, pretender que os encarregados de educação avaliem os docentes é introduzir um elemento de promiscuidade no sistema, pois configura-se aqui um claro conflito de interesses. Todos nós sabemos que muitos pais estão mais preocupados com o desempenho – que é como quem diz: com as notas – dos seus educandos, do que com os conhecimentos por si adquiridos. Reconheço que este é uma raciocínio empírico, mas é tão válido como os argumentos em favor da avaliação. Ora, havendo o tal conflito de interesses, não me parece expectável que TODOS os encarregados de educação elejam factores pedagógicos na avaliação que fazem aos docentes, em detrimento dos seus próprios interesses.

Por outro lado, insere um factor de pressão que não é benéfico na educação, pois como qualquer pessoa, o docente tenderá a se proteger. O que, por sua vez, também poderá introduzir um factor de facilitismo, expurgando da avaliação dos docentes o elementos exigência. Será mais fácil dar boas notas, mesmo que as aprendizagens não o justifiquem. Por outro lado, insere-se, numa avaliação que se quer estruturada e objectiva, um enorme elemento de subjectividade, na medida em que a avaliação dos pais estará sempre dependente da opinião dos filhos, que pode não gostar do professor por inúmeras razões sem que tal se configure como incompetência pedagógica ou científica do docente.

Por último, apenas uma questão: a Sra. Ministra diz que esta avaliação será minimalista. Mas se não serve para porra nenhuma, para que é que vamos sujeitar os docentes a esta humilhação? Porque reconheçamos: é uma humilhação para o professor ver o seu desempenho técnico estar a ser avaliado por uma outra qualquer classe profissional. Já viram se o desempenho dos médicos passasse a ser avaliado por professores de português, ou se o desempenho dos engenheiros passasse a ser avaliado por advogados, ou se o desempenho dos juizes passasse a ser avaliado por professores do 1º Ciclo? Não seria tudo estapafúrdio demais?

8 comentários:

Woman Once a Bird disse...

Concordo. Mas a questão da avaliação dos pais é a ponta do icebergue desta proposta. Aliás, estou mesmo convencida que é o item que será facilmente abandonado. O problema está noutras alíneas e outros critérios...

Woman Once a Bird disse...

Mais, na conversa de café de ontem, achei inacreditável que a Ministra tenha dito placidamente que o que estava em causa a classe docente (quando se discute a proposta de revisão)e que efectivamente as ditas jornalistas" tenham acatado a "ordem". Incrível.


Já agora, se há coisa que me enerva é o tique do pessoal que posta, mas não admite comentários. Ainda percebo que um VPV o faça ou uma Fernanda Câncio (a caixa, obviamente entupiria). Mas há pessoal que é mesmo só tique.

Woman Once a Bird disse...

Errata:
Não era a classe docente.

Unknown disse...

Minha cara WOAB:

Como deve calcular, as suas opiniões são-me manifestamente indiferentes, tal como o seu blog, o seu universo ou mesmo a sua existência. Como tal, aquilo que a enerva, ou deixa de enervar, não me diz absolutamente respeito. De facto, respondo à provocação que lançou - em boa verdade com destinatário incerto - porque hoje não tenho nada para fazer e porque não me apetece escrever sobre nada.

Mantenho que não levo nada disto a sério. A blogosfera, para mim, é apenas um passatempo, como a fotografia ou o squash do fim de semana, a leitura de jornais ou os jogos de futebol na tasca da frente. Garanto-lhe que não é em espaços como este que se exprimem pensamentos importantes sobre a humanidade. Aliás, Deus me livre de preocupar-me com a humanidade! E sobretudo, de pensar sobre ela. Os blogs são, por norma, espaços que vivem de comentários curtos sobre acontecimentos recentes, ou seja, não são para ser levados muito a sério.

Você não sabe, nem tem de saber, que eu levo muito poucas coisas a sério. E muito menos me levo a mim a sério! E é essa a razão que me leva a não permitir comentários, ou seja, detesto que os tipos que se acham sabedores comentem, com argumentos ou sem eles, coisas que não são para serem levadas a sério.

De qualquer maneira, volte sempre. É um prazer tê-la por cá.

Anónimo disse...

Gonçalo não te esqueças que o teu ponto de vista é só a tua vista num ponto... Gosto de comentar os textos dos teus colegas, e comentaria os teus se o permitisses, sem ofender ou escrever mesquinhices, levando-os a sério ou a brincar. Leio mais o vosso blog e a esquina que os jornais da mamadeira :)

Woman Once a Bird disse...

Caro Gonçalo:
Folgo sabê-lo sem nada para fazer. Deve saber-lhe bem. Ainda bem que não se leva a sério. Eu também não. Exactamente porque nada disto deve ser levado a sério, estranho a falta de oportunidade para o comentário. Ainda que transitório.Exactamente porque nada é a sério.
Só fiquei com uma questão: qual a diferença entre postar e comentar também no mesmo espírito? Tenho alguma dificuldade em perceber a diferença. Mas claro, isso é-lhe completamente indiferente. Tal como uma eventual resposta à questão o é para mim, de resto. E volto, com todo o gosto.

Unknown disse...

Minha cara WOAB:

Como deve calcular, podemos escolher aquilo que postamos, mas não podemos escolher de que forma será interpretado. Essa é a diferença, ou seja, há quem responda com a leveza e com o espiríto com que os textos (pelo menos os meus) foram escritos, mas há quem olhe as coisas de outra forma.

Sabe, é tudo uma questão de democracia. E eu, francamente, não me dá muito p'rái.

Folgo em saber que volta.

Sancho Gomes disse...

Gosto da polidez da conversa, apesar de uma certa latente tensão. Como de resto seria de esperar entre duas pessoas inteligentes e bem-educadas;).
Conversa interessante, entre duas pessoas interessantes.