14.8.06

Um monstro

Fidel fez anos. 80 ou 79 não há bem certeza de acordo com aquilo que leio nos jornais. Mas a idade pouco importa, já que um pouco por todo o lado se assiste à criação de obituários antecipados onde o monstro é apresentado como uma espécie de último herói revolucionário e romântico. Peço desculpa, mas quase cinquenta anos de poder, não podem apagar os métodos e os processos. Nem fazer esquecer o sofrimento infligido ao seu próprio povo. Comigo não contam para a absolvição ou redenção.
A revolução comunista cubana, um eufemismo, não passa de uma desagradável miragem que muitos se recusam ver. Alguns espantam-se com a educação e a medicina cubanas, aparentemente virtudes de comprovado sucesso. Num país onde não há liberdade de informação, onde tudo é devidamente controlado, não sei onde se vai tirar estas ideias abstrusas, mas desconfio que não deve ser por observação directa nem por experiência no terreno.
Cuba vive numa perfeita miséria e nem o embargo, aparente, o pode justificar. Aliás, Fidel que tem as noções básicas de propaganda soube habilmente usá-lo (o embargo, e já agora o ódio profundo à América - porque será que todos os regimes tirânicos odeiam a América?) como justificação para o subdesenvolvimento crónico do povo cubano. Quem anda na política, conhece bem a utilidade destes “inimigos” porque se Cuba fosse o tal paraíso na terra, boa parte da sua população não se entretinha a arriscar a vida para chegar às praias da Florida (acto que constitui, aliás, verdadeiro passatempo nacional cubano, com taxas de sucesso muito variáveis).
Num regime onde não há condições mínimas para uma coexistência democrática, pena que muitos, que se dizem democratas, fiquem do lado do opressor, daquele que espezinha e maltrata o povo.
Quando Fidel morrer (em abono da verdade, não conhecemos o seu verdadeiro estado de saúde), o regime ruirá com ele. De pouco adianta esta ténue passagem de testemunho familiar, uma tentativa vã de ludibriar e escamotear o mais que evidente e selado destino. E isto por dois motivos: primeiro, porque não é aceitável que um país nesta latitude não se converta numa eventual democracia depois de tantos anos de marasmo e atrofia; e, segundo, porque Fidel representa um exemplo evidente daquilo que Weber chamava de autoridade carismática: com o fim do líder, perde-se o carisma, razão de ser da própria autoridade. Consequentemente perde-se a legitimidade, o controlo e, claro, o poder. A transformação será inevitável. Por essa altura, os saudosistas abandonarão os obituários e relembrarão o chefe em calorosas e elaboradas hagiografias onde a história que se vai contar é a história que se queria que tivesse acontecido e não aquela que de facto aconteceu. Fidel será tratado como um santo e não como o monstro que de facto foi. No fundo, todos nós sabemos que são cada vez mais raros aqueles que estão dispostos a aprender com os erros e com a História.