4.8.09

Ainda as inconstitucionalidades do Estatuto Político-Administrativo dos Açores

Parece-me que era mais que evidente que o Tribunal Constitucional iria declarar inconstitucionais algumas normas do Estatuto Político-Administrativo dos Açores. Cavaco não as vetou por razões constitucionais, porque já as tinha vetado politicamente e não queria ver a sua intervenção ou influência política menorizada por razões legais. Foi, portanto, legítima a posição assumida pelo Presidente da República. Mas Cavaco também sabia que o diploma estava ferido de inconstitucionalidades e esperava que alguma instituição (nomeadamente o Provedor de Justiça), o enviasse para o Tribunal Constitucional, como veio a acontecer. Foi uma boa jogada de antecipação, pois sabia que as normas não passariam e não tinha que se sujeitar ao constrangimento de evocar razões legais para uma posição que ele queria que passasse como política (como de facto é).
Por isso é que os partidos que aprovaram o documento demonstraram uma aparente incapacidade política, quando se sujeitaram a enfrentar o Presidente numa temática em que a lei estava manifestamente ao lado de Cavaco.
E falo em “aparente” porque a inépcia não pode ser assim tão grande! Então os deputados não sabiam, como Cavaco sabia, que este diploma iria parar inevitavelmente em cima da mesa dos juízes do Palácio Ratton? E não estavam informados, como Cavaco estava, acerca das inconstitucionalidades? E não antecipavam, como Cavaco o fez, que o Tribunal Constitucional as iria mandar retirar? Ou, por outro lado, sabiam de tudo isto e aprovaram o documento apenas para contentar os partidos e o povo açorianos, num aparente recontro com o Presidente, como se fosse paladinos da autonomia, contra o centralismo de Cavaco, sabendo, contudo, que, mais tarde ou mais cedo, aquelas normas seriam retiradas?
Sinceramente, sinto-me mais inclinado para esta versão porque estou convencido que as cúpulas partidárias – da esquerda à direita – de Lisboa são centralistas e não vêem com bons olhos o aprofundamento das autonomias. E apenas fazem a sua apologia por razões eleitoralistas, para contento das estruturas partidárias regionais e porque receiam a emergência de um real separatismo por parte das populações insulares.
Se os partidos políticos que aprovaram o Estatuto Político-Administrativo dos Açores fossem, efectivamente, favoráveis ao aprofundamento das autonomias, esperavam pela revisão constitucional – existia consenso partidário na Assembleia que permitia alterar a Constituição - de forma a fazer passar as normas declaradas inconstitucionais. A questão é que não as queriam ver aprovadas e esta foi uma óptima forma de saírem airosamente.
E eram assim tão importantes essas normas, para o aprofundamento da autonomia dos Açores? Não, mas eram simbólicas e eram equilibradas. Especialmente o artigo 114º, que consagrava a obrigação do chefe de Estado de ouvir todos os órgãos regionais, antes de dissolver a Assembleia Legislativa Regional, ou o artigo 140 que limitava a intervenção da Assembleia da República no que ao Estatuto dizia respeito. Estas são duas normas simbólicas que, se aprovadas, revelavam confiança nas autonomias e na capacidade dos povos insulares decidirem o seu futuro.
Os juízes do Tribunal Constitucional fizeram os que lhes competia e estiveram bem. Cavaco deu o peito e mostrou a sua posição e esteve bem. Mas aos partidos que se auto-intitulam de defensores das autonomias outra forma de estar. Pedia-se menos miopia, menos pequenez, menos politicazinha de trazer por casa, menos estratégia partidária de pequenos interesses. Estiveram mal e, tentando esconder, mostraram a sua verdadeira face.

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