12.2.07

Efeitos colaterais do fim-de-semana

Passei um dia destes a ler. Quer dizer. Não foi bem o dia. Uma hora e tal em voz alta.
Por momentos só me ouvia. Tinha conseguido eliminar o barulho do oceano. Mas foi por pouco tempo. Assim que levantei a vista do jornal estava um homem a olhar para mim. Estava incrédulo. Fiz questão de acalmá-lo. Disse-lhe que poderia ficar para ouvir as notícias. O homem não ligou. Bateu duas vezes numa cerca de madeira. Bateu a segunda vez. Abriu uma pequena passagem. Estive quase a lhe dizer que seria mais fácil saltar. Enganei-me. O estranho era eu.

Passeava pela “Madeira nova”, quando decidi tomar café à beira mar e aquecer-me ao sol. O café estava encerrado. Ainda por cima quando lá cheguei não havia uma única alma por perto. As mesas faziam companhia às cadeiras. Não resisti. Puxei uma, sacudia-a. Ainda vi caírem uns grãos…imaginei que fosse sal. Sentei-me. Abri o jornal e mergulhei a vista nele. De 10 em 10 segundos levantava a cabeça para ter a certeza que continuava só.

Nunca mais perdi o rasto do homem. Passou de novo por mim, só que desta vez com um carro de mão carregado de “paletes salgadas”. Do nada surgiu um segundo indivíduo. Mais velho. Tinha à volta de 45 anos. Foi para junto do primeiro. Meia hora depois juntou-se a eles um rapaz. O primeiro trabalhava, os outros faziam-lhe companhia. Continuei a minha imperturbável leitura. É óbvio que deitava o olho para observá-los. Numa das vezes apanhei-os a beber “Coral”. A porta do balneário estava entreaberta. Fiz que não vi. Não queria perturbá-los. Era o mínimo que podia fazer.

Continuei a leitura. Já tinha lido os argumentos do SIM e do NÃO. Era o primeiro dia da campanha do referendo sobre o aborto.

Àquela hora o Primeiro-ministro já tinha chegado à China. O País tem mais de 1 bilião de habitantes. Muita gente. Faltava o mais importante. O Presidente da República para recebe-lo.

Foi no mesmo dia que se soube que tinha falecido a mulher mais velha do mundo. Tinha 114 anos. Era norte-americana. Fiquei contente. Não pela morte da senhora, mas pela data do aniversário. Nasceu no mesmo mês em que vi a luz do dia.

Uma hora depois já tinha lido o Calvin & companhia. Altura em que os homens abandonaram o local. O primeiro ficou de propósito para trás. Ao passar perguntou:
-Porque é que lê em voz alta?
-Por causa do trabalho
-Do tribunal.?
-Não! Pronuncia-se melhor as palavras.
Fez-me sinal com os olhos que tinha percebido, mas percebi que não tinha.
Tirei-lhe as dúvidas. Disse a verdade. Ele foi embora.

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