"Começar a pensar é começar a ser consumido. A sociedade não tem grande coisa a ver com estes princípios. O veneno está no coração do homem. É aí que ele deve ser procurado. Esse jogo mortal, que vai da lucidez perante a existência à evasão fora da luz, é preciso segui-lo e compreendê-lo. (...)
O suicídio é apenas a confissão de que a existência não vale a pena. (...)
Qual é então esse incalculável sentimento que priva o espírito do sono necessário à sua vida? Um mundo que se pode explicar, mesmo com más razões, é um mundo familiar. Mas, pelo contrário, num universo subitamente privado de ilusões e de luzes, o homem sente-se um estrangeiro. Tal exílio é sem recurso, visto que privado das recordações de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida. Este divórcio entre o homem e a sua vida, entre o actor e o cenário é que é verdadeiramente o sentimento do absurdo. (...)
O sentimento do absurdo pode esbofetear qualquer homem à esquina de qualquer rua. Em si mesmo, na sua nudez desoladora, na sua luz sem esplendor, é inapreensível. (...)
Acontece que os cenário desabam. Os gestos de levantar, o carro-eléctrico, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição carro-eléctrico, quatro horas de trabalho, refeição, sono, segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, essa estrada segue-se com facilidade a maior parte do tempo. Só que um dia o «porquê» se levanta e tudo recomeça nessa lassidão tingida de espanto. (...) A simples preocupação está na origem de tudo."
Albert Camus, in O Mito de Sísifo
2 comentários:
Morte Feliz é um livro pequeno, mas eu ando há anos a digeri-lo...
quando termino um ciclo (pode ser até o escolar)fico com um vazio grande. às vezes penso que preciso da rotina: sono, trabalho, refeição, café marcado, segunda, terça... Senão entro num "pseudo existencialismo" a fugir para um pessimismo tal que me torno insuportável : )) até para mim.
Depois para iniciar outro ciclo ou criar outras rotinas é preocupante em mim! Como no mito de Sísifo!
É Nefertiti, não é fácil digerir o que Camus escreveu. Mas como falaste na Morte Feliz, resolvi postar um excerto!
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