28.9.07

Em vias de extinção

No Brasil um interessante debate futebolístico ocupa alguns intervenientes desportivos. Kerlon, assim se chama um jogador de futebol, tem uma finta curiosa que deixa os adversários à beira de um ataque de nervos e predispostos a cometer homicídio involuntário. A coisa é simples, pelo menos aparentemente: Kerlon entretém-se a correr pelo campo ao mesmo tempo que dá toques de cabeça ludibriando assim os adversários. É possível encontrar vídeos no You Tube que mostram o número, original e extremamente divertido. Mas o debate está animado, porque recentemente um defesa de nome Coelho, farto eventualmente do espectáculo a solo, decidiu armar-se em Fernando Couto/Bruno Alves/Lobão/Jorge Costa/Ricardo Rocha/Petit (riscar o que não interessa) e pregou violenta pancada no desgraçado do Kerlon, lesionando-o com alguma gravidade. O público vociferou contra a violência, os comentadores falaram em atentado à integridade, o Coelho queria esconder-se na toca e o homem que inventou a foca acabou a pensar na vida.

Eu entendo a frustração do Coelho farto do número pelo qual não recebia comissão e a desilusão do inventor da foca agora que lhe abriram caça grossa. Mas este último devia saber que as espécies em vias de extinção mesmo que protegidas e melhor tratadas não vêem garantida a sua sobrevivência na selva do futebol. Um jogo com qualquer equipa do Jaime Pacheco provaria esta tese sem grandes alaridos.

Se o desgraçado do Kerlon (sempre adorei a imaginação dos brasileiros para inventar nomes) alguma vez tivesse experimentado os campos de alcatrão do Bairro da Nazaré, cedo teria percebido que jamais uma foca mete a cabeça numa jaula de leões ou de bichos piores. Naquele tempo, tempos áureos em que a Nazaré ganhava os torneios de bola contra os bairros vizinhos, a bola jogava-se pelo chão, embora a maioria das tentativas de desarme fosse, curiosamente, acima dos joelhos. Num campo de cinco, era possível uma equipa jogar com três defesas centrais, alguns com bem perto dos cem quilos. Tudo isto mais não era que um pequenino gesto intimidatório que nos ensinou uma coisa importante na vida: joga simples, nunca compliques, porque senão atrás de ti haverá sempre um elefante ou um rinoceronte mais pesado do que tu pronto para te dar pancada. O alcatrão não mata, mas acreditem que mói.

O desgraçado do Kerlon quer aprender da pior maneira. Tivesse passado com distinção na velha escola nazarena, perita no 1-3-0-1 e na velha máxima “Se passar a bola, não passa o jogador” não estaria a esta hora ainda a contar os dentes.