27.9.07

Bem vindos ao circo

Ao contrário daquilo que escreve o Angel, eu concordo em absoluto com a postura de Santana Lopes, ontem, na SIC Notícias.

O critério jornalístico (particularmente nas televisões) é um desgraçado prisioneiro das audiências. Se quisermos, sobrevive quase exclusivamente como figura de estilo. É óptimo utilizar-se o conceito para desculpar todas as idiotices com que se abrem os telejornais, sejam elas o pontapé do "Marco na Marta" - parece ficção, mas creio que alguns de vocês ainda se lembram desta autêntica pérola do jornalismo que abriu um Jornal Nacional da TVI, com direito a psicólogo no estúdio e tudo - um assalto a um banco em Moimenta da Beira que rendeu 150 euros aos "perigosos meliantes", o último episódio da novela ou a chegada de um treinador de futebol ou de uma equipa de basquetebol ou rugby.

Eu não creio que as televisões devam formar. Mas creio que devem informar com um mínimo de qualidade e rigor. O que implica a adopção de critérios jornalísticos que se sobreponham à guerra de audiências. Por definição, o "critério jornalístico" não é aquela "coisa vaga" atrás da qual se escudam os órgãos de comunicação social e os jornalistas para esconderem falhas ou omissões (propositadas ou não).

Se quisermos, e partindo da definição clássica, "critério jornalístico" deverá ter sempre em conta as seguintes condicionantes:

A notícia é:

- Importante?
- Afectará a maioria da audiência?
- É interessante?
- É nova?
- Ocorreu longe ou perto?
- É verdadeira?
- É exclusiva?
- Está de acordo com a política editorial?

Em resumo, a grelha ajuda a perceber que, actualmente, cometem-se muitas idiotices à sombra de qualquer coisa que não é, definitivamente, "critério jornalístico".

Atente-se aos exemplos do "caso Mourinho":

Dois dias depois do despedimento, a RTP abriu o telejornal e dedicou 17 minutos a Mourinho (sem que o próprio tivesse pronunciado uma só palavra). Os 17 minutos incluiram um directo de Londres que nada teve de relevante. Nesse tempo de emissão, não trouxe nada de novo ao conhecimento público. A notícia não era nova, não era exclusiva não afectava a maioria da audiência, em resumo, na grelha acima proposta (e que é consensual entre a maioria dos investigadores clássicos), nunca seria motivo para abertura de Telejornal. Muito menos com 17 minutos de emissão.

Ontem, o treinador chegava ao Aeroporto da Portela. O que era novo? a chegada, só se for. E aquele espectáculo deprimente de "fans" a acenar, a chorar desalmadamente e a dizer alarvidades pela boca fora.

A notícia não era exclusiva (estavam lá todas as televisões). Não era nova. Não era importante. Não afectava a maioria da audiência. Em resumo, não merecia, de facto, um directo.

Falando só de jornalismo, a SIC, e a audiência da SIC, perderia alguma coisa se visse a chegada do Mourinho em indeferido, alguns minutos depois de ter acontecido? Havia algo de tão relevante que obrigasse a um directo? Mourinho ia suicidar-se em público? Ia anunciar a candidatura à presidencia do Benfica? Ia dizer qualquer coisa de novo?

Segundo a definição de "critério jornalístico", o assunto mais relevante do momento a nível nacional serão as "directas" do PSD. Porque a política, quer se queira quer não, afecta a maioria - se não a totalidade - da audiência, sendo por isso interessante. Para além do mais, a entrevista de Santana era um exclusivo, tendo obviamente matéria nova para analisar e ser analisada. Em resumo, preencheria mais entradas da grelha acima colocada, para aqueles que querem fazer uma análise qualitativa.

A atitude de Santana Lopes é assim, à luz daquilo que aprendi sobre jornalismo, perfeitamente legitima e pertinente. Tanto que vai sucitar algum debate. Tal como a resposta de Ricardo Costa.

A mim, caro Angel, o que me deixa "absbélico" é a forma como alguns agentes de comunicação (sejam jornalistas, editores, chefes ou directores) permitem que o Jornalismo se transforme numa espécie de circo, que diverte mas não informa.