29.11.07

Sobre a crítica

O recente folhetim sobre a crítica ao novo livro de MST feita por VPV traz hoje novos desenvolvimentos. A Sábado decidiu publicar uma reportagem onde tenta explicar as razões do “ódio” entre as duas figuras públicas, como se isso interessasse para alguma coisa.

Este tipo de reportagem de cordel demonstra bem o espírito mesquinho em que vive o país. Para a Sábado, como aliás para a maioria dos portugueses, uma crítica tem de ter sempre, como motivação acrescida, um ódio pessoal ou uma movimentação obscura, porque só isso justifica o texto destrutivo que VPV explanou sobre a nova obra (atenção: sobre a nova obra) de MST. É deste modo que se esquece muito frequentemente a essência, preferindo-se a aparência, o que impele o debate para o domínio pessoal.

Como é natural, quem fica a perder é a cultura do país, pouco habituada ao espírito crítico que deve ser tido como mais um elemento preponderante do processo criativo e da sua própria afirmação.

É recorrente nos jornais portugueses o lambe-botismo enfadonho que não olha para a obra e que prefere mil vezes o autor. Aliás, muitas das críticas parecem cingir-se à mera leitura da contracapa ou dos seus resumos e conclusões. Para alguns críticos, todos os livros lidos são óptimos e contam estórias igualmente óptimas onde tudo é perfeito: o enredo, as personagens, as contextualizações, a narrativa, a conclusão, etc. Das duas uma: ou se é pouco esclarecido e se reconhece a incapacidade para se ser crítico, ou se tem vergonha de reconhecer que lemos um obra de merda, que verdadeiramente odiamos, mas da qual não queremos, ou não podemos, dizer mal.

Claro está que quando surge uma crítica mais encarniçada, quem sente a sua obra criticada vê logo ali, e em primeira instância, um ataque pessoal, mediado por invejas crónicas ou frustração impenitente, por parte do crítico ou de quem dá palco ao crítico.

Infelizmente, os criticados deviam aprender a tirar lições das críticas em vez de responderem sem o nível que habitualmente ostentam e que desejam ver nos outros. A incapacidade de encaixe, a incapacidade de aceitar que outros pensem diferente e a incapacidade de aceitar que olhem para aquilo que fazemos com um espírito fora do normalmente aceite, também é um sinónimo inequívoco do nosso fatídico e endémico atraso.

Por certo muitos dirão que VPV foi excessivamente violento. Pessoalmente, não concordo. Outros dirão que VPV não tem nada que se veja em termos literários ou de produção cultural (um perfeito absurdo que a minha biblioteca em casa desmente e comprova). Outros falarão ainda de inveja, de mesquinhez, de manias de superioridade. Aceitar-se-ão todas as ideias, se bem que o VPV até teria muitas razões para se sentir superior. Mas é pena que todos se recusem a ver aquilo que é um facto ainda não desmentido e que o ruído das coisas desviou: o romance, que MST apresentou como histórico e como retrato de uma época, tem erros crassos que convém não menosprezar. Esta foi a crítica mais mordaz que VPV (que é uma autoridade no assunto) fez a MST e que MST infelizmente parece não querer compreender. Tudo o resto, sobre as frases feitas, sobre a vacuidade das personagens, sobre o enredo ou mesmo sobre a descrição das refeições, são opiniões de uma pessoa habituada ao poder de síntese e à objectividade (leiam as suas crónicas para perceber do que se fala) e que se consubstanciam numa forma muito própria de ver o mundo.

Por fim, os critérios de qualidade não se medem por se ter colocado os portugueses a comprar e a ler os seus livros, como MST parece defender. Num país de iletrados e de analfabetos funcionais, onde a maioria não responde a um questionário sem ajuda especializada, qualquer coisinha devidamente embrulhada serve de divertimento, como MST muito bem sabe. O Sr. Dan Brown, por exemplo, aqui há uns tempos também lançou uma obra muito profunda sobre a descendência de Jesus Cristo, os merovíngios e o Priorado do Sião, um romance também ele histórico (?!), mas mais pelo conjunto impressionante de invenções e alarvidades produzidas. A coisa foi o sucesso que foi: mais de duzentos mil (!!) exemplares vendidos que serviram de mero passaporte para entrada da restante obra (?) do senhor. Ainda hoje, muitos dos que leram o Sr. Brown, e que depois foram a correr ao cinema ver o filme sobre a obra, acreditam que anda por aí um descendente de Jesus Cristo. Esperemos que, entretanto, já tenham percebido que o Tom Hanks nada tem a ver com o assunto.