Os meus conterrâneos madeirenses não param de me surpreender. É curioso que na blogoesfera regional quase nenhum comentador se identifique. Medo, dizem uns. Cobardia gritam outros. Para mim dá-me igual ao litro, pois os insultos sem rosto não existem. Nem sequer é essa falta de identificação que me preocupa. O que me traz preocupado é que a maioria dos que comentam nos blogs madeirenses apenas o fazem para ofender alguém. Ou os bloggers, ou o PSD, ou o Governo, a Oposição, sei lá! São os murmuradores. Gente que se limita a murmurar contra outrém, sem qualquer tipo de respeito, sem qualquer tipo de elevação, sem qualquer tipo de amor próprio.
Lembra-me uma leitura interessante da parábola do Filho Pródigo. Comummente identificamos a mensagem desta parábola bíblica com o regresso daquele que, perdido, se reencontrou. Há outras duas leituras possíveis: um pai que por amor tudo perdoa ao filho, ou então um filho que vendo o perdão do seu pai ao mano esgrouviado, murmura contra o irmão. A parábola do murmurador. Que se aplica que nem ginjas à maioria dos comentadores!
3 comentários:
Cala-te idiota
A realidade é o que é. Dou apenas o contributo para contextualizar mais um pouco e debater o tema.
[Nota: um ponto de vista é sempre uma vista a partir de um ponto. Não há ideia nem autoridade que não possa ser questionada. Toda a ideia e toda a autoridade deve ser constantemente questionada, porque toda a ideia e toda a autoridade tem, em permanência, de justificar a sua validade, a sua razão de existir, a sua pertinência.
Sugiro que se comece por questionar, discordar e opor-se a tudo ao que aqui digo. Precisamos desse inconformismo para melhorar. Se encontrar argumentos e fundamentos que sustentem essa discordância, no todo ou em parte, muito bem. Se não os encontrar, só então adira às ideias e à análise expressas, porque após esse processo, elas já serão suas de facto – criticou e pensou por si próprio.]
O facto da alegada maioria dos comentadores madeirenses, na blogosfera, não se identificar e, além disso, esses comentários optarem não raras vezes pela ofensa pessoal e pela crítica agressiva e hostil, é sintomático. É o reflexo de uma sociedade, na qual me incluo – não pretendo dizer-me imaculado, dar-me ares de modelo dos bons, ser paternalista ou, pior, falso moralista.
O ANONIMATO, mesmo que não se aceite, pode ser explicado. Terá, sobretudo, a ver, mesmo que pareça um lugar comum, com esse mecanismo de controlo ou autocontrolo chamado medo. Seja real ou imaginário. Este ainda é pior que o outro porque é o medo dentro da cabeça, impregnado, interiorizado, autoinfligido. Parece natural.
A pequenez do meio, as dependências, os constrangimentos de vária ordem, como um certo clima (real ou irreal) de represália, ameaça ou chantagem (“quem não é a meu favor é contra mim”; “quem é esse gajo???!!!”; “sei quem tu és!”; “quem discordar leva umas taponas”; “quem não está bem assim deve ir embora para outro lado”, entre outras atitudes), geram sufoco – tempo de capacete interior –, condicionam e tornam as pessoas demasiado cautelosas, acanhadas, politicamente correctas, com muito jogo de cintura, medrosas. Como se alguém lhes fosse bater à porta e prender assim que fazem o clique no “login and publish”, lá no blogue. As pessoas guardam a pressão dentro de si e, quando explodem, não podem ser muito articuladas.
Apesar das vicissitudes e constrangimentos, não se estará, apesar de tudo, num ponto de passar à clandestinidade...
O medo e a cautela originam esse posicionamento muito madeirense de estar a bem com todos, estar a bem com deus e com o diabo. Não assumir, publicamente, o que se pensa dá jeito, é útil.
Por outro lado, a NATUREZA OFENSIVA de certos comentários (há diferença entre crítica e maledicência, entre frontalidade e ofensa/agressividade) deve-se desde logo à protecção propiciada pelo anonimato, que dá a sensação de rédea solta, de impunidade e segurança. Porque não é preciso assumir. Aí resvala-se mais facilmente para o sensorial, o emotivo e racionaliza-se menos o discurso. As questões tendem a ser fulanizadas, entrando até pela vida pessoal das pessoas, promovendo o lodo, algo comum na nossa sociedade. Foge-se do essencial e concentra-se no acessório.
Há pouca construção. Tende-se para a destruição sem intenção construtiva, embora seja tudo criticável e todos sejamos criticáveis, é claro. Podemos destruir um edifício para construir um melhor, mas não se percebe certas vezes o que se quer construir, dando essa impressão da destruição pela destruição, pelo bota-abaixo. Pelo simples prazer de destruir. Para amesquinhar. Para enervar e angustiar o outro. A nossa ilha é fértil em azedume e ressentimento.
Mas, se o exemplo da má educação e má convivência democrática até vem de cima, basta recordar as recentes cenas no parlamento regional (ao menos no blogue só se pode agredir com palavras porque o outro está fisicamente ausente), a hostilidade ofensiva de alguns comentadores acaba por ser um produto. Quando há intolerância face à crítica e ao diálogo é porque não existe uma sã vivência democrática - não vou desenvolver este tópico.
Sem esquecer que a hostilidade de certos comentários nos blogues é também um produto de um dos atavismos ou males endémicos (estruturais) da sociedade madeirense: a maledicência. Associada à inveja, à intriga e à confusão entre o acessório e o principal.
Historicamente, a sociedade madeirense foi muito condicionada e fez da cautela e da autorepressão um modo de estar. Não é por acaso que se canta “deixem passar esta brincadeira” ou se dance de cabeça baixa e costas curvadas. Foi uma série de gestões absolutas (cangas, se pensarmos n’A Canga de Horácio Bento de Gouveia): a ditadura de Salazar, a colonia e por aí fora. Daí a maledicência, em privado e nas costas, ser o escape (modalidade) regional. E as novas tecnologias vieram permitir novas formas de maldizer, agredir na sombra e lançar ao lodo.
Face a esta realidade, alguns blogues optam também pela defesa (medo?), não permitindo comentários anónimos ou, radicalmente, não permitindo qualquer comentário, o que pode arruinar a essência de um blogue: a interactividade, a comunicação, o debate, a troca, o enriquecimento, o espírito comunitário, a convivência democrática. Mesmo que se encham de comentários anónimos e ofensivos, os blogues devem permitir o anonimato para que traduzam e exponham a realidade das coisas. Se estivessem vedados os comentários anónimos não estaria a escrever este texto e a pensar no significado do conteúdo desses comentários.
Basicamente, estou a dizer que compreendo o anonimato, embora não o defenda nem ilibe a falta de ética “bloguista” nalgumas comunicações. A violência verbal pode ser explicada, mas, novamente, o sujeito pode distanciar-se de certos mecanismos indutores e motivadores, intrínsecos ou extrínsecos, porque é munido de razão e vontade própria. Além de tudo, o anonimato é sempre desvalorizado e o recurso à ofensa ou à violência faz perder a razão que até se pode ter.
Caríssimo Olho de Fogo,
Acho que fez uma boa análise. Ma o facto desta maledicência ser endémica não me retira o direito à indignação. Não sou, de modo nenhum, um row model da moralidade e reconheço em mim os defeitos da comunidade de onde provenho. Mas tento manter uma postura crítica, por forma a ultrapassar, sempre que possível, esses meus defeitos. Por isso é que não tenho qualquer tipo de problema em criticar outros.
Concordo consigo em relação aos comentários: acho que a democraticidade da blogoesfera reside no facto do leitor não ter que ser um sujeito passivo. Aliás, a comunicação mediada por computador, base das virtual communitys, das quais as webrings fazem parte, só é possível se poder haver diálogo. Todavia, reconheço a legitimidade de alguns bloggers não querem abrir comentários nos seus virtual settlement, de modo a não serem vilipendiados por comentários sem rosto. Afinal, não querem transportar para o seu ego virtual a realidade física. Quanto a mim, acho que vale a pena abrir esta possibilidade, pois caso contrário estaria a impossibilitar a partilha de opiniões interessantes - como a sua e a de outros.
Cumprimentos,
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