Tenho visto por aí muito gente catastrofista que se resigna perante matemáticas simplistas.
A questão das reformas é só mais uma.
Basta fazer as contas, dizem eles. Assim, nas continhas de supermercado, o dinheiro que um trabalhador desconta ao longo da vida não chega sequer para pagar o primeiro ano de reforma. O outro argumento é de que os descontos anuais da população activa pode não chegar para fazer face às despesas com as reformas.
Nestas lógicas, o Estado tem dinheiro para tudo: para injectar ad eternum nas empresas públicas que alimentam a clientela partidária; para compensar as perdas de empresários gananciosos; para duplicar pagamentos em acordos que beneficiam apenas meia-dúzia; para apoiar investimentos de rentabilidade duvidosa; para investir das contas-poupança de alguns, em nome de uma suposta manutenção de alegados "centros de decisão" em mãos (e bolsos) portuguesas (como se isso pudesse acontecer num mundo global, ou sequer que fosse benéfico, sem que implicasse obrigatoriamente que nos fechássemos sobre nós próprios).
Esses são todos investimentos necessários para o país.
Mas o Estado não tem capacidade financeira para fazer face às suas responsabilidades sociais. O Estado, em que alguns crêem, não tem viabilidade para redistribuir a riqueza produzida pelos trabalhadores ao longo da sua vida.
Esta é a lógica da tradição liberal de Locke, de onde emergiu a concepção individualista do cidadão, em que se crê que os benefícios privados (do capital, ora pois) redonda em benefícios públicos, conforme defendia Hayek. Não há espaço para solidariedade institucional. A lógica da teoria da "mão invisível", de Smith, em que a intervenção do Estado só é admitida para garantir as liberdades individuais. Aumente-se os lucros, que a partilha emergirá, sussurram-nos em voz doce (com mel é que se apanham as moscas).
A ditadura da mensurabilidade. Se é demonstrável empiricamente, sim senhor (vai sendo tempo de perguntar aos economistas se já ouviram falar no Princípio da Incerteza, de Heisenberg...). O consumidor é a melhor tarimba para medir a qualidade, o que neste caso significa que o sistema só é viável se houver quem o financie. A linguagem hermética do rei-economista/gestor. O interesse comum, os produtos imateriais, como a cultura, ou as responsabilidades sociais que advêm de uma ética de Estado, são tretas.
E perante as ideias catastrofistas, há quem se resigne. Não se pode distribuir o que não há, suspiram.
A questão é que há. Não pode o homem ser refém de sistemas, sejam eles de que género forem. Os sistemas, as convenções, as lógicas, os cálculos, a racionalidade, devem servir o homem e não aprisioná-lo. Pois se o sistema não se financia a si próprio, que se vá buscar às empresas públicas, aos investimentos do Estado que alimentam tantas mãos "institucionais" e institucionalizadas. Que se vá buscar, em última análise, onde a riqueza está.
Por isso é que cada vez mais desisto da ideia de Estado-Nação. Estou mesmo convencido que o futuro, com uma população mais crítica, consciente e reactiva irá exigir outro conceito de organização social. Porque não temos que nos resignar. Eu, por mim, não o faço. E se vierem com falinhas doces e já que não há ouro, por mim estou disposto a distribuir chumbo!
2 comentários:
Sancho,
nem tanto ao mar nem tanto à terra.
Sou favorável a um sistema de reformas que apoie mais quem mais precisa à custa dos que menos precisam, dentro do sistema de segurança social e com o dinheiro que todos os trabalhadores entregaram durante a sua vida de trabalho, com o fim de puderem ter protecção na reforma.
No entanto,se entramos numa lógica de facilidade e de laxismo, facilmente terás as reformas a ser pagas pelos impostos, e a ser mascaradas por estes.
A inversão da pirâmide demográfica e o rápido crescimento dos rendimentos dos portugueses nos últimos 30 anos, trazem dificuldades acrescidas para o sistema, por isso é necessário afiná-lo, sob pena de colapso mesmo com injecções maciças de dinheiro dos impostos.
Falando em inevitabilidades, não é possível um trabalhador descontar 10% durante 30 anos de trabalho e beneficiar de 100% do último salário durante outros 30 anos. Tem de haver um equilíbrio entre o que se paga e o que se recebe, nunca esquecendo a solidariedade dos que têm rendimentos maiores para com os que têm rendimentos menores.
O ser humano é naturalmente egoista, uns mais do que outros. Se vais buscar simplesmente a riqueza que está nas mãos de alguns (nalguns casos honestamente, noutros nem tanto) o que é posto em causa não é simplesmente a riqueza presente mas a futura. A maioria dos beneficiados com essa redistribuição acomoda-se à situação e passa a criar menos riqueza, os "espoliados" sentem-se injustiçados e deixam de investir e produzir pelo que a riqueza a redistribuir diminui dramáticamente!
Pensões! Com o prolongamento da esperança de vida para lá da idade activa a pirâmide que permitia a viabilidade do sistema inverte-se e desmorona-se. Este sistema é um autêntico ponzi em que os que entram na vida activa estão a descontar directamente para os que dela sâem. E estes por sua vez estiveram a descontar directamente para as reformas dos que os precederam. O problema é que as pensões privadas também não são solução pois correm o risco de entrar em falência ciclicamente!
A saida desta crise passa por o "Ocidente" consumir menos e produzir mais e por os países que têm sido as fábricas do mundo consumirem mais até que se forme um equilíbrio. Como é evidente isto seria doloroso pelo que a solução será a de inflacionar a economia...para isso os EUA terão que imprimir biliões de biliões de dólares! E podem fazê-lo sem por em perigo a sua moeda enquanto os chineses lhes forem comprando a dívida...senão comprarem usa-se um pretexto e fomenta-se a guerra. É assim que os EUA actuam...
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