19.9.06

As noites de Budapeste (e da Europa Central)

Prólogo: Fecha os olhos e deixa-te conduzir.Estás em Budapeste. Inverno de 91. Ano 1 da queda do comunismo. É noite desde as 3 da tarde. O tempo está frio, gelado. Olhas à tua volta e vês uma cidade escura, de belos edifícios decrépitos, ruínas, fachadas enegrecidas pela poluição. Por todo o lado, filas de vendedores do mercado negro. As paredes estão repletas de cartazes, numa língua impossível, indecifrável. Tu sentes-te perdido. Mas eu conduzo-te. Segue-me.

Cá vou eu no meu Traby
De bar em bar a aviar
Sempre a abrir a noite toda
Sempre a rock & rollar

Charro aqui charro ali
Mais um vodka p'ra atestar
Corro Peste corro Buda
Sempre a rock & rollar

As noites de Budapeste
São noites de rock & roll

P'las caves da cidade
São só bandas a tocar
Pondo tudo em alvoroço
Tudo a rock & rollar

Mulheres lindas de morrer
Mini-saias a matar
Não tem fim o reboliço
Tudo a rock & rollar

As caves de Budapeste
São caves de rock & roll

Cá vou eu no meu Traby
De bar em bar a aviar
Sempre a abrir a noite toda
Sempre a rock & rollar

Charro aqui charro ali
Mais um vodka p'ra atestar
Sempre a abrir a noite toda
Sempre a rock & rollar'

As noites de Budapeste
São noites de rock & roll

Adolfo Luxúria Canibal - Mão Morta

O optimismo começa a desvanecer-se em Budapeste. O plano de austeridade aprovado pelo Governo Socialista de Ferenc Gyurcsany, tido como necessário, tem dificultado a subsistência de milhares de húngaros.

Ontem, vários movimentos de extrema direita organizaram uma manifestação para apelar à demissão do primeiro ministro, acusando-o de mentir. De manhã, acamparam à frente do Parlamento e da Sede de Governo. À noite, tentaram ocupar a sede de um canal de televisão, para ler um comunicado à população. A polícia entrou em acção. Mais de 100 carros foram incendiados. Mais de 150 pessoas ficaram feridas.

Segundo a agência Lusa, as manifestações tiveram origem na divulgação, pela rádio pública húngara, no último domingo, da gravação de um discurso à porta fechada feito pelo primeiro ministro aos deputados do partido socialista em Maio passado, no qual declarou que o governo só fez disparates e mentiu durante um ano e meio, para esconder o seu projecto de plano de austeridade, considerado doloroso embora necessário.

O Público ainda vai mais longe, escrevendo que Gyurksany referira, no mesmo momento, que a Hungria só não estaria em recessão "graças à divina providência, à abundância de dinheiro na economia mundial e a centenas de truques".

Segundo o mesmo jornal, o gabinete do primeiro-ministro já reconheceu a veracidade dos excertos publicados, mas minimizou os apelos para a demissão do Governo. Em duas entrevistas à televisão estatal, Gyurcsany tentou centrar a discussão nos erros cometidos pela elite do país desde a queda do comunista, afirmando ser urgente reformar o sistema político.

O certo é que, mais do que a adesão às manifestações de ontem na Hungria, o crescimento gradual da extrema direita no país e em toda a Europa Central deve ser motivo de reflexão.

Na terra dos magiares, a "mentira" de Gyurcsany foi a "gota de água que fez transbordar o copo", dando aos movimentos mais radicais de direita um pretexto para mostrar aquilo que valem.

E se por enquanto ainda não valem mais do que uns milhares de manifestantes, poderão, com acções do género, cativar muitos mais. E não são necessárias grandes doses de criatividade. "Basta" que o desemprego suba, que a insegurança aumente, que o nível de vida oscile. E que o discurso seja suficientemente demagógico para cativar jovens desenraizados sem passado e com pouco futuro.

Na Alemanha, ainda esta semana o Partido Nacional Democrata ultrapassou as barreira mítica dos 5% nas regionais realizadas no mais pobre dos estados alemães, Mecklenburg-Pomerânia, conseguindo representação parlamentar.

Recentemente, um relatório da Central de Protecção da Constituição Alemã, a que o jornal francês Le Monde teve acesso, dava conta de que no país de Angela Merkel existam mais de 9.000 skinheads, sendo que os actos de violência atribuídos aos extremistas cresceram 5,4% em apenas um ano. A esmagadora maioria dos "cabeças rapadas" vive nos territórios da antiga RDA.

Calculam-se existirem, na Alemanha, 49 organizações de extrema direira, sendo a maior o Partido Nacional Democrata, que afirma ter por missão "politizar os skinheads". E se melhor o diz, melhor o faz, colocando espaços seus à sua disposição de grupos de skin, convidando-os para organizar espectáculos e organizando os esquemas de transporte até os locais das manifestações. Em troca os skin só têm de divulgar os eventos.

Face ao cenário, o Governo Federal da Alemanha, pela voz da Ministra da Familía, Ursula von der Leyen, anunciou já um investimento de 19 milhões de euros, em 2007, com o objectivo de reforçar a diversidade e a tolerância e democracia.

Se na Hungria e na Alemanha a situação é mais visível, a verdade é que os movimentos de extrema direita grassam em toda a Europa central, ganhando força na mesma proporção em que o desemprego aumenta, os preços sobem e os salários reais se desvalorizam.

São noticiados, frequentemente, ataques contra extrangeiros em Moscovo e em diversas cidades da Federação Russa (calcula-se que existam 50.000 skinheads nas repúblicas), na Ucrânia, na Bielorussia, na Roménia, entre outros estados da Região.

Até na Turquia, as Brigadas de Vingança Turca reenvindicaram, há uma semana, um atentando que matou 10 curdos.

Não me parece que a situação seja absolutamente dramática - não faço a figura patética que fazem alguns histéricos dirigentes do bloco e do PC em Portugal (também eles extremistas), que às vezes parecem estar rodeados de fascistas e neo-nazis prontos a tomar o poder - mas exige alguma reflexão. Porque pretextos aparecem sempre...

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