De vez em quando, um bando de gente ilustre lança-se à conquista da sociedade civil prometendo o paraíso na terra e a miraculosa cura para todos os nossos males. Temo bem que eles só se lembrem da maioria das pessoas nas épocas de crise em que os negócios não correm de feição e o crescimento económico fica aquém do desejado.
A nova edição do Compromisso Portugal (compromisso com quem e com quê?) é um belo exemplo do surrealismo económico que quer fazer de Portugal um país sério, de vanguarda e de topo, suponho eu que mundial. Claro que poucos sabem como é que o país na realidade funciona, pois o problema dos economistas portugueses não é não terem muitas vezes razão, como decerto muitos reconhecem: é não perceberem que a realidade desmente o sonho (ou a utopia se preferirem) que eles querem alcançar.
O Portugal que temos é um Portugal que não vive sem o Estado, sem a sua segurança e que se alicerça precisamente num certo imobilismo social e no respeitinho pelos costumes e pelas práticas instituídas. É interessante, aliás, analisar como os políticos portugueses contemporâneos mais amados, Cavaco e Guterres, foram os que mais seguiram esta estratégia, engordando à grande o Estado, atraindo os portugueses e transformando precaridades em garantias reais de segurança. Construiu-se assim, uma classe média que, mesmo ténue, decide eleições e tem algum poder de compra. Em troca, ela só exige do Estado a tal segurança, no seu sentido mais lato e abrangente – no emprego, na segurança social, na saúde, no ensino, por exemplo. Não estranhem, por isso, o Portugal do século XXI. Não se apaga da memória nem se mexe nas suas estruturas sem consequências sérias e graves, sem motins ou revoluções.
Quem não conhece a realidade, pouca legitimidade tem para os conselhos. E o problema do Compromisso acaba por ser precisamente esse: não consegue estabelecer qualquer conexão entre aquilo que propõe e a sua implementação; ou, para sermos mais claros, não consegue estabelecer nenhuma possibilidade de relação entre as teorias que defende e as práticas que são possíveis. Por isso, dizer que o Estado tem de despedir 200 mil funcionários em cinco anos, pode ser uma medida económica muito bonita e necessária e que eles, lá entre si, vão aplaudir em força enquanto não acordam do sonho e do delírio colectivo do encontro. Mas uma coisa é fechar uma fábrica e colocar algumas centenas no desemprego. Outra coisa, bem diferente, é mandar quase um quarto de milhão para casa por conta do Estado. Uma multidão em fúria não se controla.