Para começo de “estória”, convém confessar-me. Sou um verme. Um reles criminoso. Um devedor ao fisco. Um não cumpridor perante o estado português, esse modelo de lisura, transparência e seriedade. Como tal, não mereço mais do que aquilo que ontem me aconteceu e que hoje vos relatarei.
Devo às Finanças a exorbitante quantia de 113,12 euros. O prazo para pagamento terminava a meados de Maio. E eu, reles devedor, tencionava pagar até os 12 cêntimos que os senhores resolveram extorquir-me. Como tal, dirigi-me até à “minha” repartição. Corria o dia 18 de Maio do ano de Deus de 2007.
Ao chegar às atafulhadas instalações, informaram-me de que afinal não podia pagar nada. Porque o meu banco já tinha recebido uma cartita a penhorar-me a conta. Encolhi os ombros, fui ao Multibanco mais próximo e percebi que de facto os meus parcos trocos tinham passado para saldo contabilístico. Lá sobrevivi o resto do mês à conta de um generoso empréstimo dispensado por alguém de quem gosto muito. Na altura, confesso, apesar do aperto fiquei com a sensação de dever cumprido. Eu, este criminoso, espécie de Al Capone dos tempos modernos, atingira a redenção. Alvíssaras!
A minha vida continuou ao ritmo normal. Sem dinheiro para mandar o ceguinho João tocar o hino do Marítimo.
E todos os meus problemas, acreditava eu, estariam resolvidos a 30 de Maio. Mas, oh, vã ilusão! Ontem saltitei em direcção ao Multibanco, feliz como uma criança a olhar para um combate de wrestling. Mas o mundo é feito de surpresas. Continuava com a conta penhorada! E, pior do que isso, a simpática senhora dos Recursos Humanos cá da casa recebera uma cartita das Finanças a anunciar a intenção de me extorquir, no próximo ordenado, a quantia de 113,12 euros. Em resumo, para além de me terem bloqueado - “ad eternum”, pelos vistos - a conta com o objectivo de me surripar, os senhores das Finanças tencionavam calmamente levar-me parte do ordenado. Uma dívida cobrada a dobrar, pelos vistos!
Com os 5 euros que me restavam, certitos para apagar o parque de estacionamento, lá arranquei furiosamente em direcção à ”minha” repartição de Finanças. Parecia o Alonso numa pista de Fórmula 1. Se o Robocop me apanhava, lá ia a licença de condução p’ó galheiro!
Lá chegado, uma senhora funcionária sentou-me à sua frente. Sim, de facto tinha a conta bloqueada. Sim, de facto tencionavam surripar-me parte do ordenado, disse alegremente. Minha senhora, retorqui eu com a calma de um Ulisses amarrado ao mastro, eu quero pagar o que devo. Mas como hei de fazê-lo se vossas excelências não me deixam tocar na massa que está no banco? Olhe não sei, esgrimiu a senhora. Peça emprestado, venha cá pagar a dívida e depois desbloqueamos a conta, sentenciou, sem encontrar explicação para a carta enviada aos recursos humanos da minha empresa. Confesso que dei uma gargalhada tão grande que me doeram os rins. E lá me vim embora, aos soluços.
Na segunda etapa fui ao meu banco. Sábia instituição à qual a minha genética falta de vocação para papelada me mantém fiel. Sim senhor, disse-me um sábio funcionário de balcão. Tem a conta bloqueada. Mas vai ser melhor falar com o gerente, que o caso é “complexo”.
Complexo, pensei eu? Complexo? Complexas são as prelecções do Dr. José António Cardoso. Complexa é a gonorreia! Complexos são os discursos do Paulo Bento! Complexa é a sua santa mãezinha! Isso é que é complexo, pensei eu, mais furibundo do que um fundamentalista muçulmano a ver um vídeo da Madona! Complexo!
Sim, realmente tem a conta bloqueada, garantiu-me sabiamente o gerente. De facto, chegou uma “cartita” das Finanças, arengou…
Oiça, meu caro amigo, eu quero pagar. Eu desejo pagar. Eu anseio pagar. Eu suspiro por pagar. Um quero redimir-me. Livrar-me do fogo do Inferno. Mas como o farei se vossas excelências me bloquearam uma conta que tem, felizmente, mais massa do que os benditos cento-e-treze-euros-e-doze-cêntimos que devo? Vossa senhoria é capaz de explicar? Passo um cheque sem cobertura? Faço um biscate na construção e recebo a grana a pronto? Assalto uma velhinha? Roubo um banco? Este banco? Emigro para França? Junto-me ao “iscortimadeira”? Peço à porta da Sé? Perguntei, com a calma do Mike Tyson a arrancar orelhas. Com a classe de um pacóvio do Texas a lidar prisioneiros em Abu Ghraib.
Pois, realmente… Respondeu sabiamente o gerente.
Após quatro telefonemas, e quase por favor, lá me desbloquearam a conta. Tinham passado três horas após o início da aventura. Agora, tenho de voltar às Finanças a suplicar para que mandem outra “cartita” aos recursos humanos da empresa a desmentir a missiva de extorsão anterior. Tenho de lhes pedir que não me cobrem duas vezes. E orar a Deus e a Maomé para que o problema fique resolvido. Com sorte, ainda me pedem para levar lá a senhora dos recursos humanos. É como o outro: já lhe mostrei o rabo, já lhe trouxe a sanita, já lhe mostrei a merda, agora vende-me a porra do papel higiénico? Se faz favor…