22.6.07

O combate do dr. Pereira

O sr. deputado Carlos Pereira, pessoa a quem reconheço valor e competência técnica na área económica, resolveu ser o "porta-estandarte" do programa socialista intitulado "quem-tem-culpa-da-derrota-são-os-outros-porque-nós-cá-somos-uns-tipos-bestiais". Como tal, deitou mãos à obra e encontrou a "besta negra" que derrotou o seu partido durante mais de 30 anos: a imprensa.

Convém, no entanto, fazer um "ponto de ordem" e lembrar algumas coisas ao deputado.

Em primeiro lugar, se há alguém, nesta terra, que não se pode queixar da imprensa é ele. Porque independentemente do mérito de algumas iniciativas suas enquanto secretário-geral da ACIF, a verdade é que poucas organizações, e poucas personalidades, tiveram a cobertura mediática de que gozou, durante anos, o dr. Carlos Pereira, em órgãos de comunicação social como o Diário ou a RTP-M.

Semana sim, semana sim, lá vinha a sua fotografia, a propósito de uma iniciativa qualquer. Eu, enquanto fui jornalista, não me lembro de "haver faltas de comparência" em apresentações conduzidas pelo então secretário-geral da Associação Comercial e Industrial do Funchal. Diário, RTP e mesmo JM marcavam presença, à hora marcada em todas as convocatórias.

Com mérito, mas também empurrado pela onda mediática que soube criar à sua volta através do espaço de opinião que tinha (e tem) no DN, de presenças assíduas na RTP-M e na RDP-M para comentar os mais diversos temas, de entradas nas páginas e nos tempos dos restantes órgãos de comunicação social, o dr. Carlos Pereira resolveu lançar-se na política. Creio que fez bem. Fez aquele que eu considero ser o melhor caminho: construíu uma carreira profissional e quando se achou preparado avançou para o combate político. Escrevo-o sem qualquer tipo de ironia.

Lançou-se numa candidatura à Câmara do Funchal. E conseguiu uma cobertura mediática absolutamente ímpar, particularmente no Diário, aquando do lançamento da lista. Lembro-me de uma edição recheada de fotografias do dr. Carlos Pereira. Eram quatro, em quatro páginas diferentes, ilustrando quatro notícias diferentes. Penso que na Madeira poucos foram os políticos (AJJ no JM não conta) que tiveram semelhante honra. Durante muitos dias seguidos o actual deputado apareceu, sorridente ou não, nas páginas do Diário. Uma forma clara de mediatizar uma lista que, depois, teve os resultados conhecidos.

O dr. Carlos Pereira mantém um espaço no DN onde, semanalmente, escreve aquilo que lhe apetece. Curiosamente, aquele que foi número dois da sua lista à CMF, Luís Vilhena, tem também o direito de partilhar a mesma glória. E ninguém tem de contestar a situação. É legitima.

O dr. Carlos Pereira é convidado regular da RTP-M. E ninguém contesta os critérios que levam a televisão a convidá-lo a ele, e não a outra personalidade qualquer.

O actual deputado soube, de facto, mediatizar a sua imagem, conseguindo que as iniciativas que encabeça tenham cobertura na imprensa. Às vezes, com mais destaque do que aquele que deveriam ter (digo eu). É mérito seu, e esse ninguém lho tira.

Mas sendo assim, o dr. Carlos Pereira é a pior das escolhas para encabeçar o programa acima referido.

Post-Scriptum 1 Hoje, o líder parlamentar do PS, Vitor Freitas vem, em carta de leitor (ele, que também tem espaço permanente na imprensa de cá, tal como aqueles que lhe estão mais próximos) defender o "seu" deputado
Na óptica do PS fez bem. No lugar dele eu faria exactamente a mesma coisa. E procurava criar um facto político, desviando as atenções dos problemas internos do PS, da falta de soluções que empurraram João Carlos Gouveia para uma liderança a prazo que, na minha modesta opinião, só vai aumentar a erosão, da falta de condições democráticas para se eleger uma lista dentro do partido (quem o disse foram outros potênciais candidatos), da falta de dinheiro que sufoca os socialistas depois da fortuna gasta na última campanha, da sede que já não há...
Em resumo, no lugar do Vitor eu faria exactamente a mesma coisa. Mas tinha o cuidado de escolher outro protagonista para a campanha.

Post-Sriptum 2 : Não chego ao ponto de dizer que a oposição não tem razões de queixa de alguma imprensa. Tem, de facto, em várias situações. E deve denunciá-las e combaté-las, porque uma imprensa livre contribui para mais e melhor democracia.
Agora, o que não se pode fazer é deitar todos as responsabilidades para as costas da comunicação social, elogiando-a quando nos convém, servindo-nos dela para ascender e atribuindo-lhe todas as nossas culpas e fracassos. Porque não lhe atribuir também alguns dos nossos méritos?

Post-Scriptum 3: Percebo e posição do Director da RTP-Madeira. Quem não se sente, não é filho de boa gente.