Vai fazer um ano que aqui exprimi pela primeira vez as minhas dúvidas sobre a súbita febre de Ota que atacou o Governo (“Foi você que pediu um aeroporto?”). Passado um ano, em que tudo li, ouvi e consultei sobre o assunto, as minhas dúvidas de então transformaram-se todas em certezas ou quase certezas. E, as que restam, passaram de dúvidas a desconfianças.
Tenho hoje a quase certeza de que a Portela não está saturada, ao contrário do que dizem, inocentemente ou não. Não está saturada hoje e não estará se e quando houver TGV e ele vier retirar à Portela uma grossa fatia de passageiros com origem ou destino no Porto e Madrid. E tenho a certeza de que as dificuldades de estacionamento na Portela se resolveriam com a anexação dos terrenos de Figo Maduro.
Tenho a certeza de que a melhor solução para Lisboa, no caso de saturação a prazo da Portela, seria a sua manutenção a par de um aeroporto alternativo, modesto e fácil de pôr em funcionamento, como sucede em todas as cidades europeias com grande movimento aéreo. A “Portela+1” seria a solução mais fácil, mais rápida de executar, que melhor servia os interesses da cidade e dos seus habitantes e de longe a mais barata para os contribuintes.
Tenho a quase certeza de que, se a solução “Portela+1” não foi contemplada no estudo da CIP nem no período de reflexão concedido pelo Governo, tal se ficou a dever a um acordo entre a CIP e José Sócrates. E tenho a certeza de que essa solução, justamente porque sairia infinitamente mais barata, é a que menos interessa ao sector financeiro, às sociedades de advocacia de negócios e de influências e ao sector empresarial que está habituado a só fazer grandes negócios quando eles envolvem grandes obras públicas. Não custa a perceber que o Governo do PS tenha aceite este compromisso com a CIP, desde que de fora ficasse a solução mais simples, e que o PSD não tenha esboçado um protesto por não se falar na hipótese da terceira solução. Estão em jogo os interesses dos grandes financiadores do “Bloco Central” – essa eterna tratação entre dinheiros públicos e interesses privados, que traz cativa, de há muito, a capacidade de desenvolvimento do país. Não percam tempo a tentar perceber se há mais “interesses” envolvidos na Ota ou em Alcochete: bilião a mais ou a menos, o que os interesses querem é um novo aeroporto, megalómano, de raiz e tão caro quanto possível.
Tenho a certeza, obviamente, de que entre a Ota e Alcochete – (e confirmando-se a inexistência de danos ambientais incomportáveis em Alcochete) – só mesmo um inimputável é que escolheria a Ota para um aeroporto internacional de Lisboa. Basta um olhar ao mapa para perceber que Alcochete fica mais perto, tem acessibilidades mais fáceis e está alinhado com o TGV para Madrid. Deve custar um terço da Ota e tem a inestimável vantagem de apenas envolver terrenos públicos – ao contrário da Ota, que tem alimentado intermináveis boatos e especulações sobre as jogadas com a propriedade dos terrenos. É ainda mais seguro em termos de navegação aérea, mais fácil e mais rápido de fazer e sem prazo de vida.
Mas também tenho enormes desconfianças sobre o fundamento sério desta súbita decisão governamental de ir estudar agora a alternativa Alcochete. É óbvio que, para já, ela salva do descalabro a campanha autárquica de António Costa, que vegeta sem nenhuma ideia nem projecto dignos desse nome. É óbvio também que a ‘pausa’ serve para não abrir um conflito com o Presidente e visa demonstrar que a célebre teimosia de Sócrates não é insensível à opinião da sociedade civil e à busca da melhor solução para o ‘interesse público’. Pois... mas, se assim fosse, se ambas as soluções estivessem afinal em aberto, não se percebe que continue em funções o ministro que há quinze dias jurava que na margem sul «jamais, jamais» (em francês), e que passou o último ano a pregar a política do facto consumado e do capricho pessoal. Em vez disso, e como vimos, logo no dia seguinte, Mário Lino recebeu, com o maior dos à-vontades, o lóbi autárquico da Ota, para lhe dizer que continuava com eles e que contassem com ele.
Há um ano, Mário Lino e José Sócrates diziam que tinham feito todos os estudos e que não havia dúvida alguma de que Lisboa precisava urgentemente de um novo aeroporto e que isso só podia ser na Ota. Depois, foi-se descobrindo que, afinal, os estudos não estavam feitos mas no início (o de impacto ambiental só agora começou), e que alguns deles, como o de engenharia, desmentiam a excelência da Ota. Descobre-se que nenhuma alternativa tinha sido seriamente estudada e algumas, como Alcochete, nem sequer tinham sido consideradas. Descobre-se que a “certeza” do esgotamento iminente da Portela não levava em consideração factores como a entrada em funcionamento do TGV e baseava-se em previsões de crescimento do número de turistas verdadeiramente mirabolantes. Descobre-se que a solução que o Governo quis impor à força é a mais cara, a mais incómoda para os passageiros, a mais insegura, a mais difícil de executar, a que menos interessa a Lisboa e a de menos futuro. E foi assim que foi tratada a obra pública mais importante das últimas e próximas décadas.
Tal como sucedeu com a regionalização, também agora os socialistas quiseram impor ao país um facto consumado, com “estudos” feitos e sem necessidade de discussão pública. Eu só espero que, como então sucedeu, também agora o país lhes dê a resposta que merecem. E que ninguém se deixe iludir por esta possível manobra de “pedimos desculpa por esta interrupção, a Ota segue dentro de momentos”.
Miguel Sousa Tavares, 18 de Junho de 2007 8:00 por Expresso Multimedia.
Poucas vezes concordo com MST. Desta feita, subscrevo integralmente as suas afirmações. E tiro-lhe o chapéu...
1 comentário:
fora as touradas que acho abominável o seu posicionamento, eu gosto deste comentador.
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