"No entanto... tinha vergonha, sim, mesmo da Sónia, por isso a fazia sofrer, tratando-a com modos desdenhosos e grosseiros. Não era vergonha pelos grilhões e pela cabeça rapada, estava ferido no seu orgulho. Adoeceu de orgulho ferido. Oh, como seria feliz se conseguisse acusar-se a si mesmo! Então aguentaria tudo, até a vergonha e o opróbrio. Mas, por mais severamente que se julgasse, a consciência não via no seu passado uma culpa especialmente terrível, a não ser talvez uma simples
falta, uma falha que qualquer um podia ter. O que o envergonhava era precisamente o ter-se perdido (desta maneira tão cega, desesperada, torpe e estúpida) só por uma sentença qualquer do destino cego; e o ter de resignar-se perante o
absurdo de tal sentença, se quisesse sossegar-se ao menos um pouco.
Uma inquietude indefinida e sem objecto no presente e no futuro, um mero e infinito sacrifício sem finalidade e pelo qual nada se podia alcançar - era isso que tinha pela frente o resto da vida.
Que importava, passados estes oito anos, ter apenas trinta e dois e poder recomeçar a vida? Viver para quê? Com que objectivos? Com que aspirações? Viver para existir? Mas, se já antes ele estava mil vezes pronto a trocar a existência por uma ideia, por uma esperança, por uma fantasia! Existir, apenas, nunca tinha sido bastante para ele, sempre quisera mais. Talvez tivesse sido só por força dos seus desejos que se considerara a si mesmo como um homem a quem era permitido mais do que aos outros."
Fiódor Dostoiévski, in Crime e Castigo
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