19.2.08

2ª Epístola ao Tino

Caro Tino,


ao contrário de ti, para mim a palavra do PM não basta. Porque ele já nos habituou às promessas vãs e a desdizer-se com a mesma convicção com que antes afirma qualquer coisa (não me vais pedir exemplos, pois não?!).
Por isso não me chega o que diz Sócrates. Interessa-me a letra da lei. E no Decreto Regulamentar n.º 2/2008 nada há que consubstancie as palavras do PM e a propaganda do ME. Neste documento apenas existem ideias vagas, sem qualquer tipo de regulamentação, sem qualquer tipo de objectividade, fazendo depender a progressão da carreira docente dos humores de nomeados, sem qualquer tipo de interligação com a nova legislação que continua a sair.

E a tua (e de outros) argumentação de que os papás têm uns bitaitezinhos a mandar no processo de avaliação de desempenho dos docentes, dando como exemplo o processo democrático, serve exactamente para desconsiderar a especificidade do acto pedagógico e em última instância a própria política: o acto de votar é um dever/direito de cidadania e não exige (não deve fazê-lo, para ser completamente democrática) qualquer tipo de especificidade. As razões de cada voto são de foro íntimo e podem ser (frequentemente são) de ordem subjectiva, enquanto que o acto de avaliar o desempenho de um profissional tem de expurgar, na medida do possível, o factor subjectividade, para ser justa. Por isso é que para votar não precisas de critérios, enquanto não podes avaliar objectivamente sem definires uns quantos. Portanto, na minha opinião, o argumento que evocas não tem qualquer tipo de validade ou sustentação. Não passa de um acto de retórica que fica bem aos políticos, mas mal a quem quer discutir esta questão com a seriedade que o tema exige.

Por outro lado, sustentar que a avaliação dos alunos deve contar para a progressão na carreira dos docentes, é inverter o processo de avaliação em educação. Caso não tenhas dado por isso, qualquer professor que se preze (e os há bons e maus) não se demite do acto de educar. Numa sala de aula, quem educa são os professores e não os alunos. Já ponderaste bem as implicações que uma medida como esta pode ter dentro de uma sala de aula? A inversão da autoridade?
Dir-me-ás que na implementação de um sistema de qualidade de uma qualquer organização, é fundamental a avaliação feita pelos clientes. Absolutamente de acordo, mas esta avaliação é fundamental para avaliar o grau de satisfação pelo serviço prestado pela organização e não para avaliar as competências dos colaboradores.

Sustentas, ainda, que o resultado dos exames nacionais deverão ter maior peso na avaliação dos alunos, relativamente à avaliação feita pelos professores. Isto é negar a importância da avaliação contínua, defendida por qualquer organização nacional ou internacional e comummente aceite como o melhor modelo de avaliação em educação. O mesmo, naturalmente, aplica-se à avaliação dos docentes, uma vez que faz depender a progressão na carreira de um processo que não é pacífico (exames globais) e bastante contestado, pois um exame diz muito pouco acerca das aprendizagens. Dirá alguma coisa, mas não o fundamental.

Tudo isto é extremamente grave, mas se queres saber, nem é o que mais me preocupa. O que me vem atormentando é o mais recente Regime jurídico de autonomia, administração e gestão, que vai franquear os portões das escolas aos partidos e aos delegados políticos e que, inevitavelmente, terá consequências no processo de avaliação da carreira docente.
Como sabes, em última análise, a avaliação dos docentes será entregue aos coordenadores do departamentos curriculares e aos futuros directores das escolas que, pela entrada em vigor do Regime jurídico de autonomia e gestão, serão cargos de nomeação. E aqui estás a politizar todo o processo avaliativo. É fácil de entender: as assembleias de escola serão substituídas pelos conselhos gerais, constituídos por pessoal docente (não superior a 40%) e não docente, os pais e encarregados de educação (e também os alunos, no caso dos adultos e dos estudantes do ensino secundário), as autarquias e a comunidade local, nomeadamente as instituições, organizações e actividades económicas, sociais, culturais e científicas. De acordo com a proposta de decreto-lei, a presidência deste órgão nunca poderá ser exercida pelos professores. Assim sendo, adivinha quem é que irá presidir a estes novos conselhos? Pois é, as autarquias, uma vez qu,e por não ser remunerado, nenhum dos outros representantes terá disponibilidade para ocupá-lo. Ora, é este órgão que tem a competência de nomeação do Director que, por sua vez, irá nomear (deixam de ser eleitos) os coordenadores dos departamentos curriculares e irá presidir, por inerência, os conselho pedagógicos. Começas a perceber a trama? O que irá acontecer é que, em última análise, a avaliação será feita por boys dos partidos, colocados estrategicamente em todos os principais órgãos das escolas. E isto é que é grave. Falas tu em amiguismo no actual processo de avaliação. E este novo sistema, será o quê?
Pois é: os professores não só têm legítimas razões para estar desiludidos. Eu, se me mantivesse no ensino, estaria apavorado...

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