22.11.05

Excertos e intervenções IX

"Lá longe continua a ver-se, algures, o D. Sebastião. Triste povo este que não entende que o D. Sebastião não existe, que nunca chegou, que nunca vai chegar. E que é precisamente por isso que o mito sobrevive: porque ele precisa de se reproduzir eternamente no tempo e no espaço, carregando às costas o seu simbolismo que é a certeza de que nunca se concretizará, enquanto entra no nosso imaginário colectivo e connosco convive nas horas dos dias e nos dá aquilo que mais procuramos e ambicionamos: uma luz ao fundo do túnel, uma corda onde nos agarrarmos, uma lufada de ar fresco, qualquer coisa que nos ligue à máquina e nos dê fé e nos dê uma nova e continuamente renovada esperança. Agora é pela figura austera. Antes tinha sido pela terceira via, pelo choque fiscal, pelo choque tecnológico e outras balelas parecidas. O que nos importa isso? Nada. Há uma nova luz ao fundo do túnel. Mas desenganem-se os mais inquietos que vêem na figura do Dr. Cavaco o homem que vai mudar de vez o regime e entregar nas mãos da “perigosa” e “envergonhada” direita o poder que o camarada Presidente Sampaio lhes sonegou. Não há perigo. O consenso é geral, porque o sistema limita-se a reproduzir-se, a manter-se, a conservar-se.[...]"