11.6.07

País velho, armas novas

O primeiro-ministro veio anunciar, recentemente, um conjunto de pomposas medidas destinadas a promover o uso das novas tecnologias por parte dos portugueses, em geral, e dos nossos alunos, em particular. Distribuir computadores e prometer banda larga faz parte da demagogia tecnológica, muito em voga desde que um célebre plano ganhou forma e expressão.

Não muito longe dali, descobriu-se que a prova de aferição de português, por exemplo, não contabilizava os erros ortográficos e gramaticais dos alunos, porque não era isso que importava para a avaliação dos nossos petizes. Não se espante caro leitor, porque não é o único a se sentir desactualizado no tempo e com estes revolucionários métodos. Eu próprio todos os dias duvido se não estarei a viver na quinta dimensão e tento me lembrar se alguma vez deixei de ser avaliado sem qualquer sucesso.

Entretanto, para resolver esta manifesta chatice que é estudar, optou-se por distribuir computadores, o que é bem mais popular que ensinar a compreender ou a escrever um texto nessa curiosidade que se chama língua portuguesa. Os alunos, cada vez mais preguiçosos e menos estudiosos (para não lhes chamar o simpático nome de estúpidos), limitam-se a seguir a onda que há muito tempo nos legou a cauda da Europa. Fica a atitude e uma quase convicção: com a distribuição de computadores, com toda a certeza, que o país tecnológico acordará já amanhã pronto para os desafios do futuro, mesmo que ninguém pesque nada de português, de matemática, de filosofia e de outras disciplinas que aparentemente estão há demasiado tempo a mais na nossa esquálida educação.

O computador não é apenas o instrumento/ferramenta: é também o paradigma que nos trará, garantem, a felicidade suprema. Na realidade, com os computadores ligados com “banda larga” (será isto uma estratégia?), pode-se entrementes copiar quase tudo, incluindo as asneiras, e a Wikipedia, um género de projecto, pode-se assumir como um complemento a um saber gratuito e medido ao pacote, sem direito a grande refutação e verificação, mas também sem direito a grande nota. O próprio computador traz ainda, recorde-se, a máquina de calcular incorporada (que evita saber a arcaica tabuada), dicionário para mudar as palavras repetidas (que sempre é melhor que ler os Maias ou outra obra chata qualquer) e joguinhos em rede (úteis para as horas mortas ou para ajudar a descomprimir do fastidioso estudo). Com tanta potencialidade nesta máquina sagrada, não se pode estranhar a inutilidade do saber tradicional, ultrapassado pela direita pelo rato do computador, esteticamente mais interessante que a Bic Cristal ou o lápis da Faber de antigamente.

Perante tanta facilidade e sublimes vantagens, resta-nos esperar que os jovens lusitanos, quando não estiverem a navegar na internet, no msn a desenvolver as novas palavras da língua portuguesa ou a brincar à batalha naval, se lembrem de participar no second life, um jogo virtual que como o próprio nome indica, permite-nos viver uma segunda vida, desta feita, virtual.

Quem sabe, os petizes não tentam experimentar viver uma vida perfeita, onde as dificuldades são ultrapassadas sem grande esforço, onde não há provas de português, de matemática ou de qualquer coisa parecida com a filosofia e onde toda a gente é muito feliz e contente para gáudio dos indígenas? Como é evidente, qualquer semelhança entre a realidade e as vidas por eles escolhidas, será sempre pura coincidência. Quem vos disse que a vida não é fácil?